Petição do MPF denunciou condições degradantes vividas pelo povo originário na busca pelo saque de benefícios sociais do governo federal
Atendendo a pedido do Ministério Público Federal (MPF) em duas ações civis públicas, a Justiça Federal do Amazonas determinou a imediata mobilização de servidores e apoio de diversos órgãos federais para redução da vulnerabilidade atual dos Yanomami na cidade de Barcelos (a 400 quilômetros de Manaus) e demais povos originários em condição similar no local. A decisão foi proferida na última segunda-feira (19), após petição do MPF.
De acordo com a decisão da 1ª Vara Federal do Amazonas, a União, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a Caixa Econômica Federal, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) devem comprovar, em até 48 horas, medidas efetivas de providências adotadas junto aos órgãos municipais e do estado do Amazonas visando a garantia de segurança alimentar, solução imediata para as demandas dos indígenas na cidade, bem como apoio logístico para o retorno dessas famílias a suas aldeias e comunidades.
A grave situação de vulnerabilidade enfrentada pelo povo Yanomami na busca pelo acesso a benefícios sociais do governo federal foi exposta na durante coletiva de imprensa, realizada no dia 19, com a participação de representantes do MPF, do Ministério Público do Estado do Amazonas e do Cartório de Barcelos.
Calamidade entre Yanomami do Amazonas
Vídeos que chegaram ao conhecimento do MPF, por meio de denúncia, mostram famílias Yanomami em condições degradantes após uma tempestade que destruiu acampamento localizado no centro urbano de Barcelos, onde os indígenas se organizaram enquanto buscavam o auxílio financeiro disponibilizado pelo governo em programas sociais como o Bolsa Família. O material fundamentou a petição do MPF à Justiça, protocolada no dia 15 de junho. Segundo o órgão, trata-se de uma realidade vivenciada há anos na região do Rio Negro e também por outros povos indígenas como os Hupdah e Yuhupdeh, Madiha Kulina e Pirahã, que sofrem com a desassistência do poder público.
“Um dos problemas mais graves, senão o principal deles, está centrado nas dificuldades de comunicação dos povos originários, uma vez que alguns falam as línguas indígenas e o atendimento nos órgãos públicos ocorre apenas em português, sem ajuda de qualquer intérprete, especialmente no CRAS [Centro de Referência de Assistência Social], o que gera incompreensão de todas as partes sobre as regras do PBF [Programa Bolsa Família], bloqueios e suspensões. Também há dificuldades de comunicação com a Central de Atendimento ‘0800’ da Caixa ou do MDS [Ministério do Desenvolvimento Social] por essa mesma razão”, reconhece a Justiça Federal na decisão.
O documento ainda ressalta que o outro obstáculo enfrentado pelos indígenas “está evidenciado nas dificuldades de logística para realização dos saques do benefício ou atualizações cadastrais, associadas ao tempo necessário dos povos originários para o deslocamento até a cidade, o que lhes gera elevados custos”, além do desconhecimento das regras para saque, calendário de pagamentos, tempo máximo para saque do benefício mensal.
Soluções pendentes há uma década
Segundo o MPF, essas adequações são recomendadas em estudos etnográficos sobre o programa Bolsa Família entre os povos indígenas, realizados pelo governo federal desde o ano de 2012, com publicação em 2016, mas não houve implementação das medidas sugeridas até o momento, tendo sido feitas de forma apenas superficial e pontual.
“Há reuniões e busca por solução extrajudicial pelo MPF junto aos órgãos públicos (principalmente federais) em relação aos problemas e danos decorrentes da inadequação das políticas públicas de benefícios sociais e previdenciários enfrentados pelos povos indígenas da região do alto e médio Rio Negro há muito tempo, sendo que tais problemas foram apenas agravados/escancarados com a pandemia”, ressalta a petição.
O MPF aponta que não houve avanço concreto, nem demonstração de sinergia entre os órgãos federais para garantir os direitos dos povos indígenas e tradicionais e eliminar os graves danos atuais que sofrem em razão da inadequação da política pública por mais de uma década, especialmente os povos de recente contato.
“O deslocamento forçado dos povos indígenas (e tradicionais) aos centros urbanos para acessar documentação e benefícios sociais e previdenciários traz graves consequências e não há medidas concretas propostas pelo governo federal até o momento para possibilitar este acesso nas aldeias e comunidades distantes”, avaliou o procurador da República Fernando Merloto.