A mortalidade materna no Brasil ainda é um problema crônico de saúde pública. A taxa de morte de mulheres na gestação ou em decorrência do parto mais do que dobrou durante a pandemia de Covid-19, saltando de 55 casos por 100 mil nascidos em 2019 para 113 casos por 100 mil nascidos em 2021, segundo análise do Observatório Obstétrico Brasileiro com base nos dados do Ministério da Saúde.
Os índices atuais distanciaram ainda mais o Brasil de atingir o compromisso de redução de mortalidade materna firmado com a Organização das Nações Unidas (ONU) por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A meta estabelecida é reduzir a mortalidade materna para até 30 casos a cada 100 mil nascidos vivos até 2030. Até o momento, os dados de 2022 ainda não foram consolidados e, embora indiquem uma tendência de queda em relação a 2021, eles ainda estão distantes do objetivo estabelecido.
Considera-se mortalidade materna os casos de mulheres que perdem a vida durante a gravidez ou em até 42 dias após o término da gestação. As principais causas são as complicações obstétricas que estão relacionadas ao período de gravidez e ao puerpério, incluindo a hipertensão (pré-eclâmpsia e eclampsia), hemorragia pós-parto, sepse/infecção, complicações do abortamento e disfunções em geral.
Segundo a obstetra Rossana Pulcineli Vieira Francisco, professora da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do Observatório Obstétrico Brasileiro, as taxas de mortalidade materna no Brasil sempre foram muito altas e grande parte dos casos poderiam ser evitados se a gestante tivesse um pré-natal de qualidade, além de acesso a uma boa rede de atenção hospitalar.
“O acesso ao pré-natal tem ainda espaço para melhora, especialmente em relação ao número de consultas realizadas. Em média 71% do total de gestantes realizam sete consultas de pré-natal, e a OMS recomenda pelo menos oito. Há também necessidade de organizar melhor a rede hospitalar. Ainda temos muitos hospitais que realizam menos de 500 partos ao ano e nestes locais é inviável economicamente manter equipe completa em plantões de 24 horas [com enfermeira obstétrica, obstetras, neonatologista, anestesista]. Esse fato coloca em risco as gestantes e seus filhos”, avalia a professora.
Segundo Rossana, os dados de mortalidade materna computados até agora referentes a 2022 mostram uma tendência de queda e de aproximação com os de 2019, mas ainda podem variar porque são de caráter preliminar.
“Em 2019 a mortalidade materna foi de 55,7 por 100 mil nascidos vivos. Isso já demonstra uma imensa fragilidade do sistema de saúde na atenção às gestantes e puérperas. Com a pandemia de Covid-19, além da susceptibilidade das gestantes para o desenvolvimento de quadros mais graves da doença, a sobrecarga nos serviços de saúde fez com que essa taxa aumentasse muito”, afirmou.
Na avaliação da professora, é possível o Brasil atingir a meta da ONU, desde que haja esforço conjunto da sociedade e do governo. “Precisamos de campanhas nacionais para que as gestantes sejam esclarecidas das causas de morte materna e estimuladas a procurar os serviços de saúde assim que apresentarem os primeiros sinais e sintomas dessas doenças”, disse.
“Também precisamos qualificar médicos para atender gestações de alto risco tanto em nível ambulatorial como hospitalar, além de equipar as unidades hospitalares com insumos e equipamentos necessários para atender casos de maior gravidade. Há também necessidade de oferecer acesso a unidades de terapia intensiva para estas mulheres quando em situação de risco de morte”, detalha Rossana.
Outro ponto importante para reduzir a mortalidade materna é considerar os três primeiros trimestres do pré-natal, o período do parto propriamente dito e a criação de uma política para que o quarto trimestre após o parto (puerpério) sejam oficialmente acompanhados com consultas regulares.
Projeto na Bahia reduz mortalidade
Desde 2017, o Hospital Israelita Albert Einstein realiza em parceria com a farmacêutica MSD o projeto “Programa Global MSD para Mães” para redução da mortalidade materna em hospitais brasileiros. O programa está na terceira fase e, atualmente, contempla 14 unidades de saúde de Salvador e Feira de Santana, na Bahia, que são consideradas referência na assistência hospitalar materna na região. Ao todo, são seis hospitais e oito unidades de atenção primária à saúde, que conseguiram reduzir a mortalidade materna por causas diretas em 59%.
Uma das unidades parceiras é o Hospital Estadual da Criança (HEC), vinculado à Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. O hospital realiza em média 2.300 partos por ano e tinha como objetivo reduzir em pelo menos 30% a taxa de mortalidade materna. Após o programa, conseguiu reduzir em 72% esse índice – um resultado excepcional.
“Conseguimos superar a meta, o que significa que mais vidas foram salvas. É um resultado extraordinário. Continuaremos a implementar melhorias, com o objetivo de buscar zerar esse índice”
RESSALTA A DIRETORA DO HEC, LÍVIA LEITE.
Segundo Larissa Beatriz Ferreira de Paiva, coordenadora de Enfermagem da Obstetrícia do HEC, a principal causa de mortalidade na unidade estava associada a síndromes hipertensivas. Com a participação no programa, várias medidas que ainda não existiam foram implementadas com o objetivo de reduzir os índices de mortalidade.
“Implantamos o escore de alerta precoce obstétrico, por exemplo, que visa o reconhecimento precoce das mulheres com risco de agravamento e tomada de decisão baseado nesse escore. Também implantamos protocolo de síndromes hipertensivas para reconhecer pacientes com potencial risco e estipular medidas de prevenção. Ainda traçamos estratégias para redução do risco de hemorragia pós-parto, inclusive com a participação ativa do acompanhante/familiar como coadjuvante na prevenção da hemorragia na puérpera”, explicou Larissa.
O projeto começou no HEC em agosto de 2021 e segue em atividade até agosto de 2023. Mesmo após o término, diz Larissa, os processos de melhoria implementados, bem como a coleta de indicadores, permanecerão incorporados ao serviço.
Desde o início do programa, em 2017, 33 unidades de saúde já participaram e o projeto alcançou cerca de 70 mil gestantes ou puérperas. Segundo Claudia Garcia de Barros, diretora executiva do Escritório de Excelência Einstein, a região Nordeste foi escolhida para participar da terceira fase do programa devido às altas de taxas de mortalidade materna nos Estados e por possuir um modelo de assistência hospitalar muito concentrada nas capitais.
“Escolhemos os hospitais de referência para gestantes de alto risco e que possam ser os multiplicadores das melhorias implementadas para outros serviços do Estado, se tornando referências para que outros serviços encaminhem as pacientes para esses hospitais com capacidade de atender alto risco”, disse Claudia. A quarta fase do projeto ainda está em definição.
Por Fernanda Bassette