Longas jornadas, baixa remuneração e pouca seguridade social: essas características, geralmente associadas aos entregadores e motoristas de aplicativo, foram analisadas por pesquisadores do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), sediado na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP.
A nota divulgada traçou um perfil dos trabalhadores no que eles chamam de “Economia do Bico”, no setor de transportes e entregas, com um recorte racial e regional, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc) do 2º trimestre de 2023, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A pesquisa demonstrou que, no Brasil, o rendimento médio mensal de motoristas brancos é de R$ 2.634, enquanto o de motoristas negros fica em torno de R$ 2.287. Apenas no Sudeste, região que mais concentra esses trabalhadores, é que motoristas negros conseguem um rendimento mais elevado que o de motoristas brancos por hora trabalhada.
Segundo os autores do estudo, essa diferença entre os dados regionais e nacionais “evidencia a desigualdade regional na remuneração dessa profissão e a maior representatividade de pessoas negras em regiões de menor renda (PIB) do País (Norte e Nordeste)”, escreveram.
A maior discrepância racial, no entanto, é encontrada entre os entregadores autônomos. Enquanto brancos ganham cerca de R$ 550 em uma jornada de trabalho média de 40,9 horas semanais – a menor dentre as três analisadas-, os negros recebem aproximadamente R$ 430 pela mesma jornada. A categoria também possui os menores níveis de escolaridade e uma significativa disparidade entre contribuintes brancos e negros – 36% e 21%, respectivamente.
Dentre os mototaxistas, essa situação se inverte: 14% dos negros contribuem para a Previdência, mas apenas 11% dos brancos são contribuintes. Os mototaxistas negros representam menos de um quarto da classe e são, em média, mais escolarizados que os brancos. Apesar disso, os profissionais brancos ainda ganham cerca de R$ 20 a mais que os negros em uma jornada semanal média de 42 horas, sendo essa a menor discrepância racial entre as regiões do País.
Baixos rendimentos para motoristas de aplicativo
Os pesquisadores da USP também concluíram que o rendimento efetivo por hora trabalhada é bem mais baixo no Norte e no Nordeste e que 94% do setor de transporte e entregas é composto de homens.
Realizado com apoio do Fundo Labora, o levantamento buscou evidenciar a importância de estudos que investiguem a complexa articulação entre as desigualdades raciais e regionais na manifestação das novas relações de trabalho no Brasil.
“Em outras palavras, uma hipótese que emerge é em que medida não há uma determinação conjunta dessas desigualdades estruturais, de modo que regiões com mais pessoas negras são justamente aquelas que apresentam menores rendimentos”, concluem os especialistas.
A nota de política econômica, intitulada Economia do Bico (ou gig economy) no setor de transportes e entregas: desigualdades regionais e raciais, é de autoria de Lucca Henrique Rodrigues, mestrando em Teoria Econômica pela FEA, Amanda Martinho Resende, mestranda em Economia pela FEA, e Gustavo Pereira Serra, doutor em Economia pela New School for Social Research.