Das mais de 100 grandes indústrias do Polo Industrial de Manaus (PIM), 35 irão dar férias coletivas para 17 mil trabalhadores a partir do dia 25 deste mês até 4 de novembro. Esse é mais um impacto da seca em Manaus.
As férias antecipadas, segundo o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas (Sindmetal-AM), Valdemir Santana, é por causa da baixa navegabilidade dos rios da Amazônia.
Segundo ele, a seca impede o transporte dos navios cargueiros, que trazem os contêineres da Ásia com os insumos (partes e peças) para o setor de eletroeletrônico. Ele diz que essas indústrias já estão com problemas de estoques para tocar a produção.
Valdemir Santana afirma que os segmentos mais atingidos são os que produzem celulares, notebooks, condicionadores de ar e televisores, ou seja, o carro chefe do Polo Industrial de Manaus.
“Vamos assinar um acordo amanhã (17) com as indústrias para que nenhum trabalhador seja demitido. Geralmente nossas férias são em dezembro, mas com a seca hoje não tem um navio sequer vindo para cá (Manaus)”, disse o sindicalista à Amazônia Real. “A Black Friday já está prejudicada”, concluiu.
Nesta segunda-feira (16), a vazante (descida das águas) no rio Negro chegou ao nível de 13,59 metros – o menor em 120 anos, desde que a medição foi iniciada, em 1902, no Porto de Manaus. O recorde anterior é de 24 de outubro de 2010, quando o manancial atingiu o nível de 13,63 metros.
A estiagem severa levou 50 dos 62 municípios do Amazonas ao estado de emergência. Em algumas cidades e comunidades ribeirinhas, a falta de chuvas deixou os rios, lagos e igarapé tão secos que uma população de quase 500 mil pessoas está isolada pela via fluvial. Há problemas também no transporte dos carregamentos de alimentos, soja, combustível e gás de cozinha.
Conforme os dados dos Indicadores de Desempenho do Polo Industrial de Manaus, divulgados pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), o Polo Industrial gera hoje 110.667 postos de trabalho diretos, incluindo empregados efetivos, terceirizados e temporários.
O sindicalista Valdemir Santana critica a falta de sinalização nos rios, o que fica sempre mais evidente em períodos de forte estiagem.
“Nossos rios não são sinalizados. Todo mundo sabe que o nosso transporte é pelo rio, e não sinaliza. Como pode o nosso estado, que é o maior pólo eletroeletrônico da América Latina, não ter este sistema? Isso é uma questão de governo mesmo, se bem que estamos começando um governo (Lula 3), mas são coisas que não podem mais acontecer”, lamenta.
Falta de hidrovias
Por meio de nota, o vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM), Nelson Azevedo, também critica as dificuldades enfrentadas pelas indústrias do Estado devido à falta de hidrovias.
“Há muito tempo reivindicamos a sinalização das nossas hidrovias para a dragagem dos rios, a fim de melhorar a navegação, sinalização dos rios para o transporte seguro e para quando chegar essa época não haver esse problema”, diz, lembrando que o último trimestre do ano é essencial para a Zona Franca de Manaus (ZFM), pois é o período para escoamento dos produtos por conta de datas comerciais movimentadas, como a Black Friday (última sexta-feira de novembro) e o Natal.
Também por meio de nota, o Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM) detalhou o problema enfrentado pelas embarcações que levam insumos ao Polo Industrial de Manaus. Segundo o CIEAM, as balsas conseguem passar por trechos com profundidade inferior a dois metros (os navios precisam de pelo menos oito metros), porém transportam menos carga de um navio e não conseguem desenvolver muita velocidade, em razão das restrições atuais de navegabilidade, o que eleva o tempo do percurso e também implica custo maior de transporte, por causa das despesas adicionais com a armazenagem dos materiais por mais tempo nos portos e as transferências imprevistas de contêineres.
Ainda conforme a Comissão de Logística do CIEAM, os contratempos elevaram entre 25% e 50% o custo de frete na região.
Seca em Manaus deixa caminhões parados
Em Manaus, filas de caminhões seguem estacionados sem poder seguir viagem por conta da estiagem. O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Amazonas (FAEA), Muni Lourenço, elenca os problemas causados ao setor pela estiagem.
“Os principais gargalos decorrentes da intensa estiagem são a dificuldade de acesso logístico de insumos e também o comprometimento do escoamento da produção rural. Além disso, a forte estiagem tem prejudicado a produtividade no setor primário”, pontua.
O alerta que vem da natureza
Para o geógrafo e ecólogo Carlos Durigan, a seca recorde traz um recado da natureza. “Chegamos no limite, em um processo de transformação climática global causado pelo nosso modo de viver e produzir”, analisa. Conforme Durigan, os alertas dados pela ciência nas últimas décadas não têm surtido o efeito necessário para conduzir mudanças que levem à redução de emissões, e os cenários mais críticos previstos em décadas já estão se instalando.
“O recado que o quadro atual nos passa é que já entramos num momento crítico e irreversível e teremos que conviver já com extremos e talvez até situações piores podem surgir”. O ambientalista acredita ser possível reduzir danos, se ações firmes forem tomadas no sentido de reduzir emissões e a degradação ambiental.
Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, avalia que as imagens da seca histórica na Amazônia assustam a todos e são um retrato duro dos impactos das mudanças climáticas.
“As fotografias do rio Negro na altura de Manaus parecem um prenúncio do fim. Some-se o El Niño peculiar deste ano, o aquecimento das águas do Atlântico e temos tragédias simultâneas no norte e no sul do país”, afirma.
Para a pesquisadora, o impressionante no caso da Amazônia é a mega crise vir acompanhada do aumento das queimadas ilegais e de declarações de políticos de que a decisão mais importante no momento é a o asfaltamento do trecho do meio da BR 319.
“Asfaltar essa estrada que liga Manaus a Porto Velho, pelo consenso entre os especialistas, gerará muito mais desmatamento. Seca histórica, calor extremo, muita fumaça e desabastecimento de comunidades se misturam com irresponsabilidade para com os brasileiros e o mundo”.
Múltiplos fatores
- Imagem aérea dos arredores de Tefé, impactada pela severa seca (Foto: Marizilda Cruppe/ Greenpeace).
- Lago Tefé, completamente seco e cheio de lixo no início de outubro (Foto: Marizilda Cruppe/ Greenpeace).
- Lago Tefé, completamente seco e cheio de lixo no início de outubro (Foto: Marizilda Cruppe/ Greenpeace).
- Imagem aérea dos arredores de Tefé, impactada pela severa seca (Foto: Marizilda Cruppe/ Greenpeace).
- Imagem aérea dos arredores de Tefé, impactada pela severa seca (Foto: Marizilda Cruppe/ Greenpeace).
- Comunidade Porto Praia, do povo indígena Kokama, em Tefé (Foto: Marizilda Cruppe/ Greenpeace).
- Comunidade Porto Praia, do povo indígena Kokama, em Tefé (Foto: Marizilda Cruppe/ Greenpeace).
- Comunidade Porto Praia, do povo indígena Kokama, em Tefé (Foto: Marizilda Cruppe/ Greenpeace).
Biólogo e pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Lucas Ferrante aponta que a seca histórica no Amazonas é causada por múltiplos fatores, sendo o primeiro o fato de ser um ano de El Niño. “O El Niño tem um efeito forte para agravar a situação da seca do Amazonas, mas não geraria essa seca extrema que estamos vendo. Outros fatores têm contribuído para esse evento histórico, como as mudanças climáticas antrópicas”.
Para Ferrante, a Amazônia já chegou ao limiar de desmatamento tolerado e isso afeta a evapotranspiração da floresta E a retenção de umidade, tornando a floresta mais suscetível a incêndios. “E isso retroalimenta esse processo de degradação e seca na floresta”, crava.
O pesquisador aponta que o baixo volume nas calhas dos rios ou a intrafegabilidade naval tem ainda outras causas: a primeira é o fenômeno de terras caídas, que também é influenciado pelo desmatamento.
A segunda é a atividade de garimpo, que, segundo o pesquisador, contribui para a formação de bancos de areia.
“E em terceiro, mas talvez um dos mais impactantes e um dos motores mais fortes para interferir nisso, a construção de várias hidrelétricas, como nos vimos anteriormente, para o rio Madeira, e que tem um impacto substancial agora principalmente nesse rio”.
De acordo com o cientista, a construção da rodovia BR-319 pode agravar ainda mais as mudanças climáticas. “É um fator que contribui para as mudanças climáticas e não é uma alternativa viável do ponto de vista logístico para a seca na Amazônia, embora muitos políticos tenham defendido isso”.
Para Ferrante, o que o Estado precisa é de políticas eficientes para contenção da crise climática. “Isso perpassa por uma política de desmatamento zero começando neste ano e não em 2030 ou 2050, como muitos políticos defendem”, finaliza.
Aporte do Ministério da Saúde
Em Manaus, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, assinou nesta segunda portaria que destina o montante de R$ 225 milhões a serem destinados aos municípios do Amazonas, para reforçar ações de combate à estiagem.
O ministério detalhou que serão enviados R$ 102,3 milhões em parcela única aos municípios. Outros R$ 122,7 milhões serão incorporados ao teto de média e alta complexidade do Estado, recursos que servirão para recuperar e ampliar a estrutura do SUS no Amazonas.
“Neste momento há aqui uma equipe da nossa Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente olhando exatamente os efeitos da questão ambiental em relação a doenças e outros impactos para a saúde por problemas de desassistência que podem ocorrer com esses fenômenos”.
Declarou a ministra.