As gestantes ou aquelas que estão pensando em engravidar provavelmente já ouviram falar na importância de preparar um plano de parto. Este documento, que possui validade legal, enumera quais procedimentos a mulher autoriza, ou não, em seu próprio corpo durante o parto, bem como em relação ao bebê após o nascimento.
A obstetra e ginecologista Gabriela Bezerra, especialista em medicina fetal, explica que o plano de parto é uma ferramenta para a gestante se informar e pensar no parto que ela quer e precisa ter. “Eu oriento as pacientes pensarem no passo a passo de como seria desde a entrada na maternidade até a alta”.
A especialista explica que é importante que as gestantes conversem com um dos profissionais de saúde da equipe que irá realizar o procedimento, seja o médico ou a enfermeira obstetra. A mulher deve ser informada sobre o que é esperado que aconteça desde o momento da chegada até a saída da maternidade para, assim, poder autorizar ou não no plano de parto. “Se a gestante já se informou sobre quais situações em que, do ponto de vista da segurança, ela deve ser examinada, ela pode negar o exame de toque vaginal, por exemplo, em situações que não são mandatórias”, explica Gabriela Bezerra.
A obstetra e outros profissionais ouvidos pela Agência Einstein também recomendam que no plano de parto a mulher expresse o desejo de receber informações sobre os procedimentos realizados durante a internação e os motivos para sua realização.
Como deve ser a elaboração?
O plano de parto deve ser elaborado pela gestante, o acompanhante dela (o pai ou outra pessoa de sua escolha) e a equipe médica que acompanhará o parto. “O plano é uma forma do médico e gestante começarem a conversar sobre o parto. Mesmo o médico plantonista, quando conversa com a paciente sobre o que está escrito ali, é um momento de tirar dúvidas e esclarecer o que pode ser possível ou não. Ali, o médico mostra que está disposto a entender aquela paciente e tratá-la da forma mais digna possível, mas mostrando as possibilidades do que pode acontecer”, diz Gabriela Bezerra.
É importante, também, submeter o plano de parto ao hospital para evitar frustrações. Pode acontecer de a maternidade ou instituição de saúde não possuir as instalações necessárias para atender às intenções descritas no plano de parto, como banheira, por exemplo. Ou, ainda, possuir determinadas regras que impeçam a execução de determinados procedimentos.
“Se alguma intenção que esteja ali no plano de parto contraria as regras do hospital, ela não poderá ser atendida. Não são todos os hospitais que autorizam nascimento na água, por exemplo. Ou agora mais recentemente, aquela questão de a mãe tirar o bebê durante a cesárea, a maioria dos hospitais não autoriza isso. Então, isso precisa ficar claro para todos porque o nascimento é um momento único e queremos evitar frustrações”, diz o médico Rômulo Negrini, coordenador de Obstetrícia da Maternidade do Hospital Israelita Albert Einstein.
Quando devo começar a escrever o meu?
Segundo Negrini, o plano de parto deve ser construído desde o início do acompanhamento médico. “É claro que algumas coisas, até mesmo as expectativas da gestante, vão mudar ao longo do tempo e os desejos para o plano de parto começam a se fortalecer lá para o terceiro trimestre, que é após a 28ª semana de gestação. Mas algumas intenções já podem ser acordadas desde o início”, diz. A obstetra Gabriela Bezerra concorda: “acho que é bom começar a partir da 26ª ou 28ª semanas. Provavelmente, a gestante vai pensar no parto desde o início da gestação, mas acho que a mulher vai ter maturidade de julgar determinados cenários mais lá para a frente”.
“É a partir do início do terceiro trimestre que a gente vai começar a analisar as condições da gestante para o parto. As indicações de cesariana antes da mulher entrar em plano de parto são muito raras, mas podem surgir eventualmente, como uma placenta prévia, em que a placenta recobre o orifício do colo do útero, por exemplo. Então isso vai influenciar nas intenções descritas no plano de parto”, completa a médica.
Negrini explica que aquelas que sabem que precisarão passar por uma cesárea também podem elaborar um plano de parto no qual descrevem suas intenções quanto à forma como desejam ser acolhidas na sala cirúrgica, como a possibilidade de ter música, o pedido para que, em vez de entregar imediatamente o bebê ao neonatologista, seja entregue à mãe ou ao acompanhante, a vontade de amamentar durante a primeira hora de vida e todos os outros cuidados com o recém-nascido.
O médico do Einstein explica que a gestante também deve combinar com o neonatologista quais cuidados serão prestados ao recém-nascido e expressar suas preferências no plano de parto.. Alguns exemplos nessa categoria são:
- Quero que o bebê seja imediatamente trazido para o contato pele a pele comigo ou com o acompanhante
- Quero tentar amamentar na primeira hora de vida do bebê
- Quero que o colírio de nitrato de prata (administrado para prevenção de infecção por bactérias da gonorreia ou clamídia que podem estar presentes na vagina) seja/não seja utilizado
- Quando o primeiro banho do bebê será realizado e por quem?
Como escrever um plano de parto
Existem modelos prontos, como a versão elaborada pela equipe do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM) e Núcleo Especializado de Infância e Juventude (NEIJ) da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, ou disponibilizadas por serviços de parto, nos quais a gestante pode preencher campos previamente criados.
Ou, se a gestante quiser escrever um personalizado, a dica é separar o momento do parto em diferentes etapas e listar suas preferências e expectativas.
Como garantir que meu plano de parto será respeitado?
A advogada Ana Lucia Dias, especialista em direito das mães, destaca a importância do documento para a proteção das gestantes contra violência obstétrica, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) como na rede privada. O documento também serve como prova de que houve violação de direito, caso esse tenha sido o caso. “Se a gestante escreveu claramente o que ela queria e alguma coisa foi feita diferente, sem o consentimento da mulher, ela pode entrar com processo”.
A especialista explica que o plano de parto deve ser assinado pela gestante e pelo médico e deverá ser levado para a maternidade para protocolar o documento alguns dias antes do parto. Em São Paulo, há uma lei estadual (nº 17.431/2021) que garante à gestante o direito à elaboração de um Plano Individual de Parto.
Ainda segundo Dias, mesmo sem uma lei federal, os médicos devem seguir o plano de parto, já que o documento tem uma validade jurídica como declaração que expressa formalmente as vontades da gestante.
Mas, em alguns casos é possível que o médico tenha que interceder e sair do planejado, principalmente em situações em que há riscos para a mãe ou para o bebê. “Em caso de emergências médicas, a gente faz o que for preciso para salvar vidas”, explica Gabriela Bezerra.
“O plano de parto não deve tratar de procedimentos de emergência porque não tem como combinar esse tipo de coisa. Quando você precisa fazer uma atuação imediata para salvar a vida de alguém, isso vai fugir do plano de parto”, completa Negrini.
Por Gabriela Malta