As bactérias são frequentemente relacionadas a doenças, mas elas também podem ser benéficas para o ser humano. Presentes na microbiota humana, seja na da pele, da boca, do intestino, são fundamentais para a homeostase corporal, ou seja, o equilíbrio constante das funções biológicas.
“Devemos pensar que, praticamente, tudo é colonizado por microrganismos. Em humanos e outros animais, a colonização por bactérias e outros microrganismos começa desde o nascimento”
DIZ O PROFESSOR NILTON LINCOPAN, DO DEPARTAMENTO DE MICROBIOLOGIA DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOMÉDICAS DA USP.
Genes
Um estudo publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences comenta que um gene, provavelmente advindo de bactérias, está presente na visão dos vertebrados, incluindo os seres humanos. O professor coloca que a transferência de genes entre bactérias e humanos é um tema controverso e não conclusivo, porém, abordando apenas a parcela bacteriana, isso se torna bem mais realista.
“A transferência horizontal de genes ocorre normalmente de bactérias para bactérias (também com o domínio Archaea), mas também pode ocorrer entre bactérias que servem como doadoras e organismos como fungos e plantas que atuam como receptores, sempre considerando o compartilhamento de um nicho em comum”
EXPLICA LINCOPAN.
Impactos
Mesmo que o estudo não confirme a passagem do gene para os humanos, ele coloca a transferência horizontal de genes como um dos possíveis meios. Essa atividade ocorre normalmente entre procariontes, ou seja, não possuem envoltório nuclear, e pode ser pressionada por fatores ambientais.
“Ela é um evento genético que ocorre normalmente entre bactérias definidas como procariotas. Neste cenário, os protagonistas são doadores e receptores e os elementos participantes são genes, plasmídeos, bacteriófagos e outros sistemas que fazem parte do chamado mobiloma bacteriano [moléculas com material genético que podem se mover das células de um organismo para outro, inserindo-se no genoma dele]. Fica implícito que a transferência horizontal de genes pode ser benéfica para um receptor, mas, dependendo de que gene se transfere, pode ser prejudicial para um terceiro indivíduo”. Ele acrescenta: “A transferência pode ser engatilhada por condições físico-químicas do ambiente ou situações de estresse como, por exemplo, a pressão seletiva feita pelo uso de um antimicrobiano. Portanto, neste caso, ela suportaria o princípio darwiniano de sobrevivência do mais adaptado”
PONTUA O ESPECIALISTA.
Antibióticos
Sabe-se que, para tratar de bactérias patogênicas, o uso do antibiótico é muito comum. Porém, em certos casos, ele pode afetar a nossa microbiota.
“Pode afetar a microbiota que nos protege. Pense na seguinte situação: se um paciente recebe um tratamento com antibiótico de amplo espectro para tratar uma infecção, ele não destruiria também a própria microbiota? Imagine que no intestino existem muitas cadeiras, mas todas as cadeiras são ocupadas por bactérias benéficas; se eu uso o antibiótico, eu acabo matando todas as bactérias que estão sentadas. Portanto, as cadeiras ficam vazias e suscetíveis a qualquer bactéria”
COLOCA LINCOPAN.
Um exemplo, segundo o professor, são os antibióticos utilizados em frangos de corte: “Podemos pensar em uma situação real: como seria um ecossistema relacionado ao agronegócio, no qual utilizam um antibiótico misturado na ração como promotor do crescimento de frango de corte? O antibiótico poderia exercer uma pressão seletiva na microbiota do animal, que é formada por espécies de bactérias sensíveis ao antibiótico e espécies resistentes, com um gene que permitiria a sobrevivência. O que aconteceria se, por transferência horizontal de genes, uma bactéria resistente, doadora, transferisse um gene de resistência para uma bactéria sensível, receptora, a partir da conjugação? Vamos ter novas espécies resistentes”.
Da mesma forma, a microbiota intestinal humana poderia sofrer uma alteração genética, por meio da transferência horizontal de genes, e dar origem a novas espécies resistentes: “Essa bactéria poderia ser uma doadora do gene de resistência para uma espécie sensível que faz parte da microbiota do ser humano. Neste exemplo, o uso antropogênico de um antibiótico para criar um animal contribuiu para o estabelecimento da transferência horizontal de genes, mas também favoreceu o aparecimento de uma espécie resistente que poderia infectar um indivíduo sem posterior possibilidade de tratamento”, pontua Lincopan.
Por Alessandra Ueno