A comunicação da morte do autor da ação teria sido feita ilegalmente pela ex-companheira dele perante o cartório da Comarca
O juiz de direito titular da 1.ª Vara da Comarca de Coari, André Luiz Muquy, anulou na última quarta-feira (03/05), a certidão de óbito de um homem de 75 anos, morador da Comunidade Urubuatam, Lago do Mamiá, naquele município (distante 370 quilômetros de Manaus). O homem ingressou com uma ação contra o 2.º Cartório da Comarca e o Instituto Nacional do Seguro Social, visando à anulação de certidão de óbito, em relação ao primeiro, e a concessão do Benefício de Prestação Continuada, em relação ao órgão previdenciário.
Em audiência, respondendo aos questionamentos do magistrado e do Ministério Público, o homem relatou que no ano de 2000, após rompimento com sua então companheira, esta partiu para outra localidade, e teria comunicado no Cartório do 2.º Ofício de Coari sua morte, tendo sido expedido o respectivo registro de óbito. O motivo, muito provavelmente, seria a tentativa de receber benefício previdenciário (pensão por sua morte).
O Ministério Público, em parecer, requereu a instauração de investigação policial quanto aos fatos que ensejaram a expedição de certidão de óbito em nome do autor e a realização de audiência de instrução. Em audiência foram inquiridos o sobrinho do autor, um amigo próximo e o requerente, este último, ainda em audiência, apresentou documentos pessoais. Ouvido o sobrinho do autor, filho de sua irmã, que confirmou a identidade do requerente, afirmando que o conhece desde tenra idade. No mesmo sentido, outra testemunha afirmou conhecer o autor.
Por fim, em audiência foi apresentado documento de identidade confirmando ser o autor quem diz ser. Em análise da certidão de óbito em nome do autor, ficou claro que ao tempo do registro, o referido cartório não tomou as cautelas exigidas por lei, já que no campo referente ao médico que atestou a morte, consta expressamente “sem assistência médica”.
Ao analisar a causa, o juiz André Luiz Muquy escreveu que, em se tratando de processo com cumulação de demandas, por consequência lógica, é necessário analisar o pedido de anulação da certidão de óbito. Segundo ele, apesar de tecnicamente estar diante de uma ação constitutiva negativa, mostra-se mais favorável ao autor, pessoa idosa, que já aguarda manifestação do Judiciário há mais de dois anos, aplicar por analogia o procedimento de jurisdição voluntária previsto no registro tardio de óbito do art. 77 da Lei de Registros Públicos (LRP).
“Certo é, que necessário para a expedição da certidão, a apresentação pelo comunicante, de atestado de óbito confeccionado por médico, informando a causa da morte. Entretanto, em comunidades mais afastadas, é muito comum haver sepultamentos em cemitérios clandestinos, sem que o falecido passe por qualquer hospital, ou mesmo seja examinado por médico. Nesses casos, infelizmente, não raro os cartórios dispensem o documento médico ao arrepio da lei. Por fim, a mantença da certidão de óbito do autor viola o princípio da verdade real, que consiste que o registro público deve reproduzir com fidelidade a realidade fática. Deve assim, a certidão de óbito ser desconstituída, expurgando a morte jurídica do autor do ordenamento, e restaurando sua cidadania plena”, escreveu o magistrado na sentença.
Na sentença, o magistrado isenta o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) de responsabilidade por não conceder benefícios ao autor da ação, pois a autarquia não considerava que o requerente não atenderia aos requisitos legais para a concessão, e sim, por encontrar-se este morto.
O magistrado também mandou que seja comunicado o Cartório do 2.º ofício da Comarca de Coari para que tome ciência da presente decisão promovendo a anulação da referida certidão; comunicando também a Receita Federal quanto a regularização do Cadastro de Pessoas Físicas, Tribunal Regional Eleitoral para fins eleitorais, Secretaria de Segurança do Estado do Amazonas e Instituto Nacional do Seguro Social.