Responsável pela investigação que culminou em operação da Polícia Federal em um internato ilegal, a delegada Joyce Coelho, titular da Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), acredita que a instituição islâmica que catequiza e leva crianças e adolescentes indígenas do Amazonas para a Turquia, sob o pretexto de ajuda humanitária, pode esconder um negócio lucrativo.
A declaração foi feita na última segunda-feira, 24, durante entrevista à Rádio Onda Digital, em Manaus. Na ocasião, a delegava comentava sobre o retorno dos muçulmanos investigados a São Gabriel da Cachoeira (a 852 km de Manaus), município de origem dos 15 jovens indígenas resgatados em fevereiro deste ano durante uma operação que teve o apoio da PF.
“Eu soube, depois dessa busca e apreensão, que eles [muçulmanos] já retornaram lá no município [São Gabriel da Cachoeira], inclusive estavam tendo reuniões com os pais [dos indígenas], o que nos leva a entender que é lucrativo de alguma forma. Até porque há uma grande movimentação aí, até porque eles acabam custeando várias despesas desses adolescentes”, analisa a delegada.
‘Associação solidária’
O site de notícias Metrópole publicou no último domingo, 23, uma reportagem sobre o caso revelando detalhes sobre as práticas da Associação Solidária Humanitária do Amazonas (Asham), que converte crianças e adolescentes indígenas ao Islã e que já levou pelo menos cinco deles para território turco. O grupo está na mira das Polícias Civil e Federal, do Conselho Tutelar de Manaus e da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
De acordo com a apuração, a Asham é chefiada por um homem identificado como Abdulhakim Tokdemir, que vive em Manaus desde 2019. O turco é responsável pelo internato improvisado num sobrado localizado no bairro São Jorge, zona oeste de Manaus, para onde crianças e adolescentes indígenas de São Gabriel da Cachoeira eram levados. Depois, eles seguiam para outro internato em São Paulo e, quando completassem 18 anos, para a Turquia.
No local, os indígenas eram submetidos a uma rotina intensa de ensinamentos religiosos, sendo obrigados a decorar trechos do Alcorão no idioma original, e ganhavam até novos nomes árabes. A instituição, porém, não possui cadastro para funcionar como abrigo de crianças e adolescentes e sequer tinha a guarda dos menores – apenas uma autorização informal assinada pelos pais em troca de doações e da promessa de custeio dos estudos.
“Eu ouvi relatos que até eles [muçulmanos] chegavam a bancar quando algum parente daquele adolescente adoecia, custeando gastos. Então, as famílias ficaram muito chateadas quando esses adolescentes foram retirados e foram devolvidos para lá [São Gabriel da Cachoeira]”, observa a delegada.
Investigações continuam
No dia 28 de fevereiro deste ano, a Asham foi alvo de uma operação da PF que resultou na retirada de 14 adolescentes e uma criança do local. Todos voltaram para São Gabriel da Cachoeira. Além de constatar irregularidades na documentação e nas condições do imóvel, policiais e conselheiros tutelares encontraram três freezers com carne vencida desde 2021 que era consumida pelos jovens.
As investigações, que iniciaram ainda em 2019, continuam. “[Este caso] nos intriga, intriga a Polícia Civil, intriga a Polícia Federal também. Só que nós ainda não conseguimos identificar nenhum tipo criminal. Nada de criminoso, uma vez que é uma associação que se diz humanitária, que cuida desses adolescentes”, declara a titular da Depca.