Uma pesquisa científica que é realizada há 30 anos identificou mudanças no desenvolvimento dos filhotes das araras-azuis (Anodorhynchus hyacinthinus), um dos animais mais simbólicos do Pantanal brasileiro e que poderá retornar à lista de espécies ameaçadas de extinção devido a susceptibilidade que vem enfrentando na natureza. Entre as descobertas do estudo, publicado pela Scientific Reports – Nature, está a comprovação da existência de araras-azuis anãs, que chegam a ser até 70% menores em relação à população geral da espécie. A redução de tamanho pode ser causada pelo desmatamento e pelas queimadas.
“Fizemos um estudo de longo prazo e só por isso foi possível identificar o nascimento pontual de algumas araras anãs. Embora sejam menores, elas conseguem ter uma vida normal, ou seja, nascem, crescem e se reproduzem”, explica a bióloga Neiva Guedes, integrante da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e presidente do Instituto Arara-Azul.
O estudo, conduzido por cinco pesquisadores brasileiros, permitiu acompanhar o hábito de reprodução, o comportamento e o crescimento dessas aves, mesmo em condições adversas, como o desmatamento e as mudanças climáticas. A pesquisa também avaliou o sucesso do Projeto Arara-Azul, que luta pela conservação da espécie em seu habitat. Entre 1990 e 2018, o programa registrou um aumento da população de araras na região, de 2.500 para 6.000 indivíduos. Porém, esse número voltou a cair a partir de 2019 com o avanço da destruição do bioma.
Em 2020, com o avanço da onda de desmatamento e queimadas, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 13.396 focos de incêndio, maior índice da história. Foram quase 2,1 milhões de hectares perdidos, o que afetou diversas espécies, como a onça-pintada e a arara-azul.
A destruição do Pantanal está diminuindo também a quantidade da palmeira acuri (Scheelea phalerata), tradicional espécie da flora da região e uma das principais fontes de alimento da arara-azul e outras aves. “O desmatamento e as queimadas afetam drasticamente a produção da palmeira acuri, prejudicando a reprodução da arara-azul”, registraram os pesquisadores.
Apesar da dificuldade para acompanhar esses animais em seu habitat, os cientistas conseguiram avaliar 837 ninhos durante três décadas. Nesse período, 31 araras anãs foram encontradas pelos cientistas. “Nossos resultados indicam que há filhotes no habitat natural bem menores que os demais exemplares recém-nascidos monitorados”, explicam os pesquisadores no artigo da Scientific Reports.
Apesar das araras anãs nascerem em tamanho menor, podem ser facilmente identificadas como adultos quando crescem. Para Neiva Guedes, a incidência de araras-azuis anãs pode estar relacionada às mudanças climáticas, ao desmatamento e aos incêndios no Pantanal. “Ainda não temos números exatos porque ainda estamos estudando essa questão. Mas já há indicativos de que esses fatores aumentam o número de araras anãs, sobretudo por causa da escassez de alimentos. Isso poderemos comprovar daqui algum tempo”, explica a bióloga.
Os pesquisadores usaram três medidas biométricas para avaliar os animais: massa corporal, comprimento total e comprimento da cauda. As araras permanecem no ninho, em média, três meses e meio e diversos fatores influenciam seu crescimento, como temperatura, chuva, a qualidade e a disponibilidade de alimentos, diferenças entre os sexos, tamanho da ninhada e doenças.
Além de Neiva Guedes, o estudo também foi desenvolvido pelos pesquisadores Maria Cecília Barbosa Toledo, Fernanda Mussi Fontoura, Grace Ferreira da Silva e Reginaldo José Donatelli. A pesquisa tem patrocínio da Fundação Toyota e apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, WWF, Zoo Zurich-WCS e Parrots International.