O crescimento esperado da Floresta Amazônica quando exposta a uma atmosfera cada vez mais rica em gás carbônico (CO2) pode ser limitado pelos baixos níveis de fósforo nos solos da região. É o que aponta uma nova pesquisa publicada na Revista Nature por um grupo de cientistas internacionais liderada pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/ MCTI), a Universidade de Exeter (Inglaterra) e mais dez instituições.
As concentrações mais elevadas de CO2 na atmosfera fazem com que as plantas acelerem seu crescimento, assimilando carbono da atmosfera de forma mais rápida. Esse aumento da taxa de crescimento – especialmente em grandes florestas como as da Amazônia – ajuda a frear parcialmente o aumento dos níveis de CO2 na atmosfera (sequestro de carbono), desacelerando as mudanças climáticas.
Os cientistas explicam que, para o processo acontecer, as plantas necessitam também de outros nutrientes para processar o CO2 e crescer. O novo estudo – Evidência direta da limitação do fósforo na produtividade da floresta amazônica – demonstra que a falta de níveis adequados de fósforo nos solos, um dos principais nutrientes para o crescimento das plantas, pode limitar a capacidade de aumentar a produtividade das florestas (taxa de crescimento) da Amazônia à medida que o CO2 da atmosfera aumenta.
Os pesquisadores alertam para outra grave consequência: os baixos teores de fósforo tornam a floresta tropical menos resiliente às mudanças climáticas, que é acelerada pela emissão de CO2 oriunda da queima de combustíveis fósseis e pelos desflorestamentos.
“Nossos resultados questionam o potencial da Amazônia em manter as altas taxas atuais de absorção de carbono”, disse a autora que liderou o artigo, Hellen Fernanda Viana Cunha, que está concluindo o Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências de Florestas Tropicais (PPG-CFT/Inpa). Ela é orientada pelos pesquisadores, Antonio Manzi (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe), Carlos Alberto Quesada (Inpa) e Kelly Andersen (NTU Singapura).
Fertilização com fósforo
Cerca de 60% da bacia Amazônica está em solos antigos com baixo teor de fósforo. O papel do fósforo no controle da produtividade não era claro, já que a maioria dos experimentos de fertilização em grande escala em outras partes do mundo – como no Panamá e na Costa Rica (América Central) – foram realizados em sistemas mais ricos em fósforo, de 5 a 18 vezes maiores do que na Amazônia central.
“Nosso experimento examinou os efeitos da adição de fósforo, nitrogênio e cátions (outros nutrientes potencialmente importantes) em uma floresta tropical madura com baixo teor de fósforo. Somente o fósforo levou ao aumento da produtividade nos dois primeiros anos do experimento”, explicou Cunha.
Para Cunha e colaboradores, ter respostas tão rápidas e fortes ao fósforo, tanto acima quanto abaixo do solo, é uma indicação de que o sistema está funcionando sob severa limitação de fósforo. “Os solos de regiões tropicais como a Amazônia geralmente se formaram há milhões de anos, e nutrientes, como fósforo e cátions, provenientes da decomposição química das rochas, podem ser perdidos ao longo do tempo”, explicou Cunha que é engenheira florestal.
Nutrientes como o nitrogênio podem ser absorvidos do ar por microrganismos associados a certas plantas e solos. O fósforo, contudo, não está disponível como gás na atmosfera – então, uma vez esgotado, há pouca oportunidade para os níveis aumentarem, segundo os cientistas.
Entre 2017 e 2019, foram feitas aproximadamente 1.500 medidas de produtividade do dossel (como folhas, galhos finos, flores, frutos e sementes), quantificada a produção de raízes finas a cada três meses em 160 locais e monitorado o crescimento de 4.849 árvores numa floresta de Terra Firme próxima a Manaus. A pesquisa faz parte do Experimento de Fertilização da Amazônia (AFEX), instalado a 80 quilômetros ao norte de Manaus, em uma área de floresta contínua do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF). O AFEX monitora uma área de oito hectares, dividido em 32 parcelas de floresta com 50 m x 50 m cada.
No experimento, dois anos de adição de fósforo ao solo dessas florestas causou aumentos significativos no crescimento das raízes finas (29%) e na produtividade do dossel (19%). O crescimento dos troncos não aumentou. Para Cunha, a explicação pode estar no fato das raízes e folhas exigirem mais fósforo que os troncos, além do crescimento dos troncos ser um processo mais lento. “É necessário um monitoramento de longo prazo do experimento para determinar se a resposta na produtividade dos troncos se torna aparente”, alerta a autora.
Implicações
As descobertas têm implicações para o armazenamento de carbono na floresta e para a sua resiliência frente à mudança do clima global. “Para lidar e se recuperar de ameaças crescentes, como secas, precisamos que a floresta esteja crescendo melhor do que costumava”, disse o professor do departamento de Geografia da Universidade de Exeter, Iain Hartley, que também assina o artigo e é um dos coordenadores do AFEX.
“Uma resposta tão rápida à adição de fósforo sugere um alto nível de limitação por este nutriente, e indica que é pouco provável que a floresta possa crescer mais rápido com o aumento de CO2 na atmosfera. Isso preocupa”, destacou o pesquisador do Inpa, Carlos Alberto Quesada, o outro coordenador do AFEX.
Partes da Floresta Tropical que crescem em solos de baixa fertilidade podem ser mais vulneráveis às mudanças climáticas do que se reconhece atualmente, o que implica que os riscos associados aos impactos negativos das mudanças climáticas sobre a floresta amazônica se tornarão cada vez maiores, destaca o estudo de Cunha e colaboradores.
Para tentar responder como os efeitos do aumento de CO2 na atmosfera afetam a resiliência da floresta amazônica, cientistas trabalham em outro importante programa de pesquisa, o experimento AmazonFace do Inpa em cooperação com outras instituições.
No experimento, que deve se tornar em um dos maiores laboratórios a céu aberto do mundo para a compreensão dos efeitos do aumento do CO2 na atmosfera nas florestas tropicais úmidas, os pesquisadores elevam as concentrações de CO2 na floresta para simular as condições atmosféricas previstas para 2050 e verificar como a floresta responderá. A equipe internacional do AmazonFace inclui pesquisadores do experimento AFEX. A Fase 2 do AmazonFace contará com financiamento do Reino Unido.