Descrita como Mauritiella disticha, a espécie é encontrada em parte do arco do desmatamento – região que apresenta maiores índices de desmatamento na Amazônia – e já está categorizada como vulnerável por apresentar elevado risco de extinção
Descobrir uma nova espécie de palmeira na Amazônia, um dos grupos de plantas mais abundantes na região, não é algo comum no último século. De cada 20 espécies de árvores, oito são palmeiras como buriti e açaí. Mas, agora, cientistas brasileiros e estrangeiros com participação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) descreveram uma nova espécie de palmeira do gênero Mauritiella, da família Arecaceae. As últimas descrições de palmeiras do gênero Mauritiella foram em 1935.
De pequeno a médio porte, a nova palmeira denominada Mauritiella disticha alcança até sete metros de altura, possui caule coberto de espinhos, folhas que seguem o modelo em leque (flabeliforme) e frutos ovais parecidos com os do buriti (gênero Mauritia, irmão de Mauritiella). Não se tem relatos sobre formas de consumo do fruto, mas por ser muito similar às demais buritiranas e ao buriti é muito provável que seja consumido ou pelo menos adequado ao consumo humano. Outro potencial da nova espécie é quanto ao uso no paisagismo: a inserção das folhas no caule é sempre no mesmo plano e em direções opostas, formando um padrão muito bonito e exclusivo desta espécie no gênero, uma das características que a distingue das outras espécies do gênero.
A planta foi encontrada pelos pesquisadores pela primeira vez na BR-319 (Manaus-Porto Velho-RO), em 2007, durante um levantamento de inventários florísticos. Um ano depois foi achada na rodovia Transamazônica.
O trabalho com a nova descoberta foi publicado recentemente em artigo da revista da americana Systematic Botany. É assinado por egressos dos cursos de Doutorado em Botânica e em Ecologia do Inpa, Eduardo Prata e Thaise Emilio, vinculados ao Laboratório de Ecologia e Evolução de Plantas da Amazônia (Labotam/Inpa), e Universidade de Campinas, respectivamente, pelo pesquisador Mario Cohn-Haft (Coleção de Aves/Inpa), e outros 13 autores de instituições do Brasil, Suécia, Alemanha, Holanda, Camarões, França e Reino Unido. A primeira autoria é compartilhada por Eduardo Prata e Maria Fernanda Jiménez, do Gothenburg Global Biodiversity Centre e do Department of Biological and Environmental Sciences, University of Gothenburg, ambos na Suécia.
De acordo com Prata, o achado científico no bioma mais biodiverso do planeta revela o quanto ainda há para se conhecer na flora Amazônica. Outro fator importante no caso da Mauritiella disticha é que ela apresenta diferenciações morfológicas marcantes, ou seja, é relativamente fácil diferenciá-la pela aparência, de indivíduos de outras espécies.
“Isso reflete não apenas a elevada diversidade de espécies na Amazônia, como também o baixo número de taxonomistas e a escassez cada vez maior de recursos e investimento em pesquisa na região e no Brasil de uma maneira geral”, destacou o biólogo.
O pesquisador do Inpa, Mario Cohn-Haft, que participou da pesquisa auxiliando a coletar material útil para a descrição da espécie, fala da satisfação de se ter uma nova espécie descrita e das surpresas que a Amazônia reserva. “Me deu muita satisfação ver a espécie descrita e reconhecida a importância das expedições que se fazem no Inpa, e a divulgação de uma espécie que exemplifica a maravilhosa diversidade biológica amazônica que continua a surpreender mesmo depois de tantos anos de pesquisas intensivas”.
A nova palmeira tem algumas características morfológicas marcantes que se refletiram no nome dela, Mauritiella disticha: a “filotaxia”, ou seja, a distribuição das folhas umas em relação às outras e a “dística”, isto é, as folhas estão inseridas em sentidos opostos, num mesmo plano, e de forma alternada, formando uma espécie de “leque”. Além disso, a espécie também se difere de todas as outras do gênero pelo tamanho consideravelmente menor das escamas do fruto.
O processo de descoberta e descrição da nova espécie foi demorado, levou quase 15 anos, e foi possível por meio de financiamento de trabalhos de campo e de laboratório, como análise de DNA. O estudo envolveu uma equipe multidisciplinar e internacional, formada por ecólogos, botânicos, biogeografos e bioinformatas, que acessaram áreas remotas da floresta amazônica. A coleta de referência da espécie encontra-se depositada no Herbário do Inpa.
Perigo para a preservação
A espécie é conhecida na bacia do médio Madeira, na região da BR-319 a oeste do Rio Madeira, e na região do rio Aripuanã Transamazônica (Apuí), a leste, no Amazonas. É encontrada em campos abertos e florestas baixas em ecossistemas de areia branca – as campinas e campinaranas, incluindo florestas secundárias próximas a estradas.
Mesmo sendo recém-descoberta, a distribuição da espécie preocupa cientistas pelo fato de ocorrer em parte no Arco do Desmatamento, região sujeita à degradação por abertura de estradas, desmatamentos, queimadas e ocupação irregular por grileiros.
“Isso, somado ao fato da aparente baixa densidade populacional da espécie, nos levou a categorizá-la como Vulnerável, de acordo com os critérios da Lista de Espécies Ameaçadas da International Union (IUCN)”, explica a bióloga Thaise Emilio.