Absolvição foi possível após investigação defensiva feita pela DPE-AM
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) conseguiu inocentar quatro acusados de homicídio que foram parar no banco dos réus por causa de um falso reconhecimento. O crime ocorreu no final de 2014, mas o julgamento que absolveu os réus no Tribunal do Júri só aconteceu sete anos depois. No decorrer do processo, a Defensoria produziu uma investigação própria para provar a inocência dos acusados.
O crime do qual eram incriminados ocorreu em um bar do bairro Zumbi, na Zona Leste de Manaus. Na ocasião, cinco pessoas participaram do espancamento de um homem, que sofreu traumatismo craniano. Os acusados não tinham relação com o crime, mas foram supostamente reconhecidos através de um vídeo, por uma “testemunha confidencial”, que não presenciou o crime e apenas teria apontado os acusados. Uma quinta pessoa também foi implicada, mas defendida por advogado particular.
No momento do crime, havia diversas pessoas no local. Algumas tentaram socorrer a vítima. Uma câmera de segurança gravou as cenas. Mas, no inquérito policial e no processo judicial, gerado a partir do vídeo, não havia depoimentos dessas testemunhas, nem registro de perícia no local do crime, nem laudo pericial sobre o vídeo que mostra o assassinato.
Os acusados só foram intimados pela Justiça cerca de dois anos depois do crime e o julgamento foi realizado no dia 14 de fevereiro deste ano. Na fase judicial, a mídia que continha o vídeo que mostrava os assassinos não pôde ser periciada, pois estava corrompida. Ainda que não periciado, o vídeo foi utilizado pela polícia para que uma testemunha confidencial, que não assistiu aos fatos, “identificasse” as supostas pessoas envolvidas naquele homicídio.
As imagens só foram recuperadas após investigação defensiva (atuação autônoma à ação da Polícia Judiciária), realizada pela Defensoria. À essa altura, porém, o arquivo já não era o original, estava com imagens não tão nítidas e não seria possível uma perícia. Mas DPE-AM e a defesa de um dos acusados conseguiu encontrar as testemunhas oculares e as incluíram no processo.
“Temos que repensar a defesa com uma postura mais ativa e investigativa, iniciada já na fase policial, estabelecendo um viés de ‘defender-se provando’”, afirma o defensor público Inácio Navarro, que atuou na defesa de quatro dos cinco acusados.
A “testemunha confidencial”
Um detalhe importante no caso é que a “testemunha confidencial” arrolada no processo não estava no local do homicídio. Motivo: à época, ela estava presa em uma delegacia, por outro crime, quando, então, supostamente reconheceu os acusados no vídeo. Porém, durante depoimento em juízo, a mulher afirmou que foi coagida na delegacia a confirmar o reconhecimento dos acusados. Mesmo assim, seu suposto depoimento na delegacia, reconhecendo os acusados no vídeo, seguiu constando no processo.
“Não se sabe o porquê da escolha dos nomes dessas pessoas especificamente, mas, talvez, esteja relacionada ao fato de uma das acusadas e de um adolescente que, segundo a polícia, estaria envolvido no crime, já terem passagem pela polícia e morarem no mesmo bairro onde moram os inocentes acusados”, disse o defensor.
Assim, as cinco pessoas supostamente reconhecidas como autores do homicídio ainda surgiram no “álbum de suspeitos” da delegacia de homicídios, mesmo sem que três delas tivessem cometido crime ou terem sido acusadas anteriormente. Com a atuação defensiva, a DPE-AM identificou que as fotos foram retiradas de redes sociais das pessoas acusadas, o que contraria as normas do Código de Processo Penal (CPP) e direitos fundamentais básicos do cidadão.
Falso reconhecimento
Para o defensor Inácio Navarro, “o reconhecimento fotográfico é especialmente problemático quando se faz pela simples apresentação, à vítima ou testemunha, de imagens do suspeito previamente selecionadas em álbuns policiais ou redes sociais, infelizmente uma prática comum nas delegacias do País”.
Mesmo com todas as fragilidades do inquérito, os inocentes injustamente acusados foram formalmente denunciados e passaram a responder ao processo como réus. Suas fotos passaram a constar não só no álbum de suspeitos da polícia, mas seus nomes foram registrados no sistema da Justiça criminal. E eles foram levados a julgamento em júri popular, com suas vidas estando nas mãos de sete jurados.
“Parece que a nossa vida parou. A gente não consegue dormir. A gente não fez nada, mas não sabe se vai acabar sendo condenado por algo que não cometeu”, disse um dos acusados, um homem casado, com uma filha pequena e um bebê por vir, que nunca cometeu crime e teve que ouvir da filha um “eu te amo”, com medo de perdê-lo para a prisão.
“Me prejudicou demais. Eu estava com um emprego engatilhado e, como fui presa, perdi a vaga”, disse uma das acusadas, uma mulher que tem união estável e uma filha pequena. “Fiquei por muito tempo desempregada”, acrescentou.
Tribunal do júri
Com base nas provas produzidas, o Ministério Público, que é quem acusa em um processo criminal de homicídio, pediu ao júri a absolvição dos réus por falta de provas. A Defensoria pediu a absolvição por negativa de autoria, por estar provado que os acusados não cometeram o crime. Todos os cinco acusados injustamente foram inocentados por negativa de autoria e a Defensoria está analisando as medidas que serão tomadas para retirar as fotos deles de qualquer álbum que ainda exista na polícia.