Novos depoimentos colhidos pela Polícia Civil do Amazonas na sexta-feira (5) reforçam que a técnica de enfermagem Raiza Bentes Paiva foi orientada por uma colega a não aplicar adrenalina por via intravenosa (na veia) no menino Benício Xavier, de 6 anos, instantes antes da administração. A criança morreu no Hospital Santa Júlia, em Manaus, após receber a medicação.
Raiza Bentes está com o exercício profissional suspenso por determinação do Coren-AM, decisão publicada na segunda-feira (1º).
A técnica de enfermagem Rocicleide Lopes de Oliveira, que assumiu o posto da sala de medicação pediátrica durante o intervalo de uma colega no dia 22 de novembro, relatou à polícia que alertou Raiza para não administrar os 3 ml de adrenalina pela veia, explicando que esse volume só é indicado em casos de parada cardiorrespiratória.
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Segundo Rocicleide, a prescrição deveria ser aplicada por nebulização, e por isso ela chegou a montar o kit e separar a medicação para uso inalatório. Ela contou ter avisado:
“Nesse volume de 3 ml não pode ser feito via EV (administração pela veia), e sim por nebulização.”
A depoente disse que perguntou se Raiza havia compreendido a orientação e ouviu que “sim”. Em seguida, retornou ao setor de ginecologia e obstetrícia, onde estava de plantão.
Pouco depois, ouviu a colega chamar por seu nome. Ao chegar à sala, segundo Rocicleide, Raiza afirmou:
“Roci, eu fiz a medicação EV… ele foi ficando branco.”
A técnica insistiu que não orientou Raiza a seguir a prescrição eletrônica de forma literal e afirmou que, pela experiência, entendeu que a médica pretendia a via inalatória. Rocicleide também declarou que Raiza havia sido remanejada de outro plantão após desentendimentos e que, conforme comentários da equipe, ela “não gostava de receber orientações”.
A depoente disse ainda que o hospital mantém treinamentos de protocolos de segurança e estranhou que Raiza tenha alegado falta de procedimentos padronizados.
Segunda técnica confirma correria e diz que menino estava “amarelado”
Outra técnica que estava no plantão, Nilda de Souza Evangelista, contou ter corrido à sala de medicação pediátrica ao ouvir Raiza gritar por Rocicleide. Ao chegar, viu Benício “amarelado” e sendo atendido por colegas. Nilda relatou que Raiza disse naquele momento que havia aplicado a adrenalina na veia “conforme aparecia na prescrição”.
Ela também afirmou que não viu Raiza pedir ajuda para confirmar a via ou o volume da dose antes de aplicar. Nilda relatou que já recebeu prescrição suspeita em outro dia e procurou o médico para correção, mas não se lembra se isso ocorreu com a médica Juliana.
Segundo ela, a médica Juliana Brasil estava na sala durante o atendimento, mas não recorda se a profissional chegou a realizar procedimentos diretos. Nilda ainda pontuou que o sistema eletrônico do hospital “às vezes apresenta instabilidade”, o que leva a equipe a registrar dados no papel durante falhas.
Caso Benício
Benício foi levado ao Hospital Santa Júlia com tosse seca e suspeita de laringite. Segundo a família, recebeu lavagem nasal, soro, xarope e três doses de 3 ml de adrenalina intravenosa, administradas a cada 30 minutos.
O pai relatou:
“Meu filho nunca tinha tomado adrenalina pela veia, só por nebulização. Perguntamos e a técnica disse que também nunca tinha aplicado desse jeito. Mas afirmou que estava na prescrição.”
Após as aplicações, o menino piorou rapidamente, ficou pálido, com extremidades arroxeadas e disse que “o coração estava queimando”. A saturação caiu para cerca de 75%. Ele foi levado à sala vermelha, encaminhado para a UTI e sofreu seis paradas cardíacas, morrendo às 2h55 do dia 23 de novembro.
Investigação
O Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CREMAM) instaurou processo ético sigiloso para investigar a conduta da médica. O hospital afastou tanto Juliana quanto Raiza.
O delegado Marcelo Martins conduz o caso como homicídio doloso qualificado, considerando possibilidade de crueldade. Ele chegou a solicitar a prisão preventiva da médica, que permanece em liberdade por habeas corpus.
Na quinta-feira (4), médica e técnica participaram de acareação na sede da Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca).
O que diz a defesa da médica
A defesa de Juliana Brasil Santos afirma que ela reconheceu o erro “no calor do momento” e sustenta que uma falha no sistema automatizado do hospital teria alterado a via de administração registrada.
Os advogados apresentaram vídeo para demonstrar supostas instabilidades na plataforma e defendem que o problema contribuiu para o agravamento do quadro da criança.
Ao lado de seu advogado, Raiza reiterou a versão apresentada à polícia e afirmou que estava sozinha e sem apoio no momento da aplicação.
O Hospital Santa Júlia informou que não irá se manifestar.


