A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) recomendou, nesta terça-feira (7), ao Senado Federal a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar excessos e abusos de autoridade durante a operação Boiuna, realizada pela Polícia Federal (PF) em conjunto com outros órgãos, na calha do Rio Madeira, entre os municípios de Manicoré e Humaitá, na região Sul do Estado.
O pedido da DPE-AM tem como base o grave impacto humanitário provocado pelas ações empreendidas entre 15 e 26 de setembro, que, segundo a Defensoria colocaram em risco mais de 25 mil pessoas, entre elas crianças, mulheres, idosos e povos tradicionais.
A Polícia Federal defende a operação e diz que ela destruíu 277 dragas de garimpo ilegal e deu um prejuízo financeiro de mais de R$ 1 bilhão aos criminosos ambientais.
A DPE-AM tem outra visão da operação, que causou situações de vulnerabilidade para centenas de famílias ribeirinhas, onde há relatos de destruição de moradias, abordagens violentas e destruição de bens essenciais à subsistência como barcos, motores e alimentos.
O documento recomenda que o Senado averigue as condutas de agentes federais e de autoridades envolvidas, de modo a apurar possíveis excessos de força, ações desproporcionais e violações de garantias fundamentais asseguradas pela Constituição Federal.
A Defensoria destaca que “há indícios de que os procedimentos adotados pelos agentes públicos extrapolaram os limites legais e geraram danos irreversíveis a grupos vulneráveis que dependem do rio e da floresta para sobreviver”.
A instituição enfatiza ainda que a operação, embora deva combater atividades ilegais, não pode ocorrer à custa da violação de direitos humanos.
A justificativa da Defensoria cita informações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério Público Federal (MPF), que também acompanham a operação. O balanço apresentado pelos órgãos aponta a destruição de dezenas de embarcações e equipamentos na tentativa de conter a mineração ilegal, mas, conforme o documento, não houve plano de mitigação ou assistência às famílias afetadas, o que agrava o cenário de insegurança alimentar e desabrigo.
A DPE-AM afirma que, embora reconheça a importância das ações de combate à criminalidade ambiental, é dever do Estado conciliar a repressão a ilícitos com a preservação da dignidade humana.
“Não se combate ilegalidade com ilegalidade”, cita o texto, que reforça que os órgãos públicos devem atuar de forma coordenada e proporcional, garantindo que nenhum cidadão inocente seja penalizado por ações que visam reprimir crimes ambientais.
Relatos das famílias
Aos integrantes do Grupo de Trabalho ‘Teko Porã’, que realizaram visitas in loco no município de Humaitá e nas comunidades próximas entre os dias 22 e 24 de setembro, famílias relataram à Defensoria a perda total de suas embarcações e moradias, além da impossibilidade de locomoção, transporte escolar e acesso a alimentos.
Os defensores que estiveram na região afirmaram que o órgão atua em caráter emergencial, oferecendo apoio jurídico e acompanhando a situação de perto, com o objetivo de preservar o mínimo existencial e garantir o direito à vida e à moradia dessas populações tradicionais.
Ao recomendar a abertura da CPI, a DPE-AM reforça sua função constitucional de proteger os direitos humanos e coletivos e de garantir que a atuação estatal seja guiada pelos princípios da legalidade, proporcionalidade e humanidade.
A instituição também solicita que o Senado adote medidas de reparação e proteção imediata às famílias atingidas e que o governo federal apresente planos concretos de apoio social e humanitário aos afetados pela operação.
“A Defensoria Pública não se opõe às ações de fiscalização, mas exige que elas respeitem os direitos fundamentais das pessoas que vivem da floresta e do rio. O combate à ilegalidade deve andar lado a lado com a proteção da vida”, reforça a recomendação dos defensores públicos que acompanham o caso.