Atendendo a uma solicitação do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal determinou que os órgãos responsáveis pela administração de políticas públicas de benefícios sociais e previdenciários — como Bolsa Família, auxílio-maternidade, aposentadorias, entre outros — elaborem um plano concreto para garantir o acesso dos povos indígenas e comunidades tradicionais do Amazonas a esses benefícios diretamente em suas aldeias e territórios, sem a necessidade de deslocamento até os centros urbanos.
Conforme decisão judicial, a Caixa Econômica Federal, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o governo federal, por meio do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), devem implementar ações, apresentar propostas e estabelecer cronogramas voltados à adaptação das políticas públicas à realidade territorial, cultural e social dos povos indígenas e tradicionais em todo o estado do Amazonas.
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A ação foi ajuizada durante a pandemia de Covid-19, quando algumas medidas requeridas eram destinadas a atender as necessidades dos indígenas diante da questão de saúde pública, como recebimento de auxílio emergencial e cestas básicas. No entanto, as demais dificuldades relatadas no documento, além de continuarem, se agravaram significativamente mesmo após o fim da pandemia.
Falta de acesso
Além das dificuldades geográficas, foi constatado que os povos indígenas e tradicionais vêm encontrando dificuldades de comunicação, já que o atendimento nos órgãos públicos ocorre apenas em português, sem ajuda de qualquer intérprete, o que gera incompreensão de todas as partes sobre orientações importantes, como as regras do programa Bolsa Família e outros benefícios. Há também dificuldades de comunicação com a Central de Atendimento 0800 da Caixa e do MDS, problemas no acesso à documentação, violência, estelionato por comerciantes na cidade, agravos à saúde, abandono de roçado, de escola, entre outros que ocorrem quando os indígenas são obrigados a se deslocar às cidades para acessar os benefícios.
Povos indígenas e tradicionais enfrentam longas viagens e ficam instalados nas ruas e praças das cidades para fazer os saques de benefícios ou atualizações cadastrais. Podem passar semanas ou meses nas beiras dos rios na cidade, instalados em barracas de lona de forma precária. Há, ainda, o desconhecimento das regras para saque, calendário de pagamentos e tempo máximo para saque do benefício mensal. O deslocamento para as cidades expõe esses grupos a doenças e problemas fora das aldeias, visto que não existe posto ou agência que possa atendê-los ou hospedá-los provisoriamente.
O MPF destaca que os povos originários não têm recebido o auxílio nas aldeias e não lhes dão condições de chegada e nem de acolhida nas cidades, com a devida orientação, tradução, alimentação e cumprimento de prazos estabelecidos pelo governo federal. Desde 2015, o MPF tenta solucionar os problemas relacionados a essa questão, adotando medidas em prol da dignidade desses povos.
Povos indígenas de recente contato
A situação dos povos indígenas de recente contato é ainda pior. Indígenas de povos como Yanomami, Madiha Kulina, Pirahã, Hupdah, Yuhupdëh, entre outros, sofrem graves consequências da não adequação dos benefícios sociais e previdenciários ao seu modo de vida. Mortes, conflitos, agravos de saúde, entre outros são relacionados na ação judicial proposta pelo MPF e nas investigações feitas pelo órgão nos últimos dez anos.
O MPF relata que, apesar de haver publicação do próprio governo federal de 2016 denominada Estudos etnográficos sobre o programa bolsa família entre povos indígenas, onde se relatam todos estes problemas e as soluções, como disponibilizar os benefícios direto nas aldeias e comunidades, passados quase dez anos, pouca coisa mudou de fato.