Dados do Inmet de janeiro a outubro deste ano mostram temperaturas acima da média registrada nos últimos 30 anos. Especialistas afirmam que calor é ‘anomalia’ influenciada por mudanças climáticas globais e fatores regionais, como desmatamento.
Os moradores da Amazônia sentiram mais calor neste ano? A resposta, segundo uma análise exclusiva da InfoAmazonia, é sim. Na comparação com os 30 anos anteriores, as médias das temperaturas máximas
Também chamada de “normal climatológica”, as médias das temperaturas são calculadas levando em conta 30 anos de observação; a mais recente é de 1991-2020, segundo os registros do Inmet.registradas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) na região ficaram, entre janeiro e outubro de 2024, até 5,1ºC acima do que era considerado normalpara cada mês do ano.
A análise considerou 41 estações com monitoramento do Inmet presentes na Amazônia Legal (leia a metodologia utilizada aqui), sendo que a maioria está no Pará (10), Amazonas (7) e Maranhão (7).
No mês de fevereiro, entre 1991 e 2020, Boa Vista tinha uma temperatura média máxima de 34,1ºC. No entanto, neste ano, a capital de Roraima alcançou 39,2ºC, registrando 5,1ºC acima do normal para o mês. No mesmo estado, a cidade de Caracaraí, caso tivesse mantido os padrões das décadas anteriores, teria registrado uma temperatura média máxima de 33,8ºC em setembro, mas, em 2024, a média do mês chegou a 39,1ºC — uma alta de 4,3ºC.
O clima predominante na Amazônia Legal é o equatorial, caracterizado pelo forte calor e pela alta umidade, com apenas duas estações, a chuvosa e a seca. Esse tipo de clima é encontrado ao redor da Linha do Equador
Linha imaginária que divide o planeta Terra entre os hemisférios Norte e Sul. No entanto, os climatologistas apontam que essa alta temperatura observada em 2024 é uma “anomalia”, quando os dados registrados não seguem a média do que era previsto historicamente, uma consequência das mudanças climáticas globais e também de fatores regionais.
Boa Vista é a única capital do país acima da Linha do Equador, o que também explica a quentura. Apesar do aumento de 5,1ºC em fevereiro, a cidade também passou por altas temperaturas em outros meses do ano. Em março, o aumento foi de 4,8ºC em relação à média dos anos anteriores e, em maio, foi de 3,9ºC. Isso tem prejudicado pessoas como o motoqueiro Helibraldo Pimentel, que faz entregas e deslocamentos a serviço da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Roraima (OAB-RR).
Cidades da Amazônia têm alta de até 5,1ºC nas temperaturas máximas em 2024
Boa Vista (RR), Cuiabá (MT) e Caracaraí (RR) tiveram as maiores altas na temperatura média neste ano em comparação com os 30 anos anteriores.
“Tem dia que a gente pega tanto sol que, quando chega a noite, a gente fica muito estressado e muito cansado, com o corpo e a cabeça doendo, porque o sol está muito quente”, diz o motoboy, que trabalha há 22 anos na função. Ele conta que nunca sentiu tanto calor quanto agora.
Os sintomas de Helibraldo são causados pelo calor extremo, de acordo com o Ministério da Saúde, e incluem exaustão, insolação, desidratação e queimaduras. Eles geram quadros de irritabilidade, fraqueza, sonolência, pele vermelha, tonturas, náuseas, dificuldade de atenção, cãibras e perda de consciência.
Para se proteger, o motoboy passou a usar, desde o ano passado, roupas que cobrem seu corpo durante as viagens, como luvas e blusas de manga longa, além dos óculos e do protetor solar. “Eu tento me cuidar, tomar as precauções, porque eu sei que isso pode dar até câncer de pele, mas o sol tá muito difícil”, diz.
O pesquisador Bruno Sarkis, do Laboratório de Hidrografia e Climatologia da Amazônia(HIDROGEO), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), explica que Roraima passa por mudanças territoriais, como desmatamento, que aumentam o calor. “O estado de Roraima, principalmente no entorno de Boa Vista, está passando por transformações, com a inserção da soja. São formações naturais que hoje estão sendo transformadas em monocultura. Isso também afeta a climatologia, gerando a diminuição de precipitação e causando temperaturas mais elevadas”.
A floresta amazônica tem a capacidade de gerar chuva, através da evapotranspiração
Transferência de água, em estado gasoso, para a atmosfera, que ocorre por meio da transpiração dos vegetais. das folhas das árvores. Quanto menos árvores, menor a formação das nuvens. Entre os estados da Amazônia Legal, Roraima é o segundo com a pior porcentagem de áreas de vegetação em zonas urbanas, com apenas 3%, de acordo com os dados do MapBiomas.
Já no Amazonas, onde Sarkis mora, há 6,6% de vegetação em áreas urbanas. Na capital Manaus, a média das temperaturas máximas do mês de setembro neste ano foi de 37,3ºC, 3,2ºC acima da normal climatológica, que é de 34,1ºC. O pesquisador afirma que as cidades amazônicas estão sendo afetadas pelas mudanças climáticas globais, mas também há um fator de influência local criado pela falta de arborização e desmatamento.
“Uma das medidas que mais funcionam na Amazônia é a criação de áreas protegidas, com demarcação de terras indígenas para frear esse avanço do agronegócio. Porque ele vem sendo um processo bastante degradante, que não tem um planejamento e um desenvolvimento sustentável”, diz.
Cidades que passam pelo calor extremo
Cuiabá é outra capital que registrou recordes de temperaturas mensais. Em setembro, a cidade deveria apresentar uma máxima média de 36,6ºC, conforme os padrões de 1991 a 2020, mas alcançou 40,2ºC, uma elevação de 4,6ºC.
Além disso, a cidade registrou o dia mais quente entre as 41 estações monitoradas da Amazônia Legal neste ano: 44,1ºC em 6 de outubro de 2024, contra uma média prevista para o mês de 35,1ºC, uma diferença de 9ºC. A cerca de 40 km dali, no município de Santo Antônio de Leverger, os moradores também enfrentaram um calor de 42,8ºC no mesmo dia — a segunda temperatura mais alta registrada pelas estações do Inmet em 2024, com uma diferença de 7,7ºC em relação ao esperado.
Além de Boa Vista, Cuiabá e Caracaraí, completam o ranking das dez cidades com as maiores elevações de temperatura média máxima mensal em 2024: Zé Doca (MA), Carolina (MA), Balsas (MA), Diamantino (MT), Santo Antônio de Leverger (MT), Manaus (AM) e Araguaína (TO). Todas elas tiveram elevações acima de 3,1ºC do que era previsto para o mês.
Setembro foi um dos meses mais quentes na Amazônia: das 20 maiores médias máximas de temperatura registradas nas 41 estações neste ano, sete ocorreram nesse mês. Em Cuiabá, a diferença de temperatura chegou a 4,6ºC em relação à média.
Belém, no Pará, que deve receber mais de 60 mil pessoas para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30, em 2025, teve a média máxima de 36,1ºC em setembro, uma alta de 2,9ºC em relação à normal climatológica, que era de 33,2ºC para o mês. O dia mais quente da cidade ocorreu em 4 de setembro, quando a temperatura máxima foi de 37ºC – 3,8ºC acima da normal.
A partir de junho, a capital paraense esquentou consideravelmente, com subidas de 1,6º até chegar nos 2,9ºC, considerando a média esperada para o mês. O local é rodeado por ilhas pequenas, onde vivem populações ribeirinhas que trabalham com turismo, extrativismo, pesca e produção cultural. A técnica de enfermagem Maria do Socorro de Oliveira faz atendimentos na ambulancha.
Lancha adaptada para estrutura de ambulância, com profissionais que navegam os rios para fazer atendimento nas comunidades. do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), na ilha de Cotijuba, que fica a 30 minutos da cidade. Ela conta que, neste ano, começou a ter sintomas de doenças respiratórias, que atribuiu às mudanças repentinas do tempo.
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“Eu fico com o meu corpo muito mole, eu fico tossindo, eu fico com coriza, dá uma alergia em mim. Eu não tinha isso antigamente, agora eu tenho. É por essas mudanças de clima, esse sol muito forte, porque a gente fica fazendo ocorrência no sol. Às vezes, você tá na quentura fazendo um procedimento, aí cai um chuvisco do nada, você pega sol e chuva. Meus colegas sentem o mesmo”, conta.
Nas ilhas, uma das ocorrências mais comuns que Socorro atende é de pessoas que caem das árvores. Isso porque os trabalhadores que colhem frutos, como o açaí, acabam por enfrentar desafios na escalada dos troncos. Quando ela está de plantão, na zona urbana, isso muda. Socorro conta que são muitos os casos de desmaios. “É mal súbito que a gente chama. Quase todo dia a gente atende esses casos. São idosos que precisam andar no calor e, quando vê, desmaiam. A gente mede a pressão, às vezes a pessoa é hipertensa, acontece muito”, diz.
Sai El Niño e entra La Niña?
Neste ano, a Amazônia vivenciou os efeitos do El Niño, fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico, que reduz a formação de nuvens e intensifica a seca. A meteorologista Andrea Mendes, do Inmet, explica que, além disso, a região enfrentou duas ondas de calor em setembro de 2024: a primeira, entre os dias 2 e 9, e a segunda, entre os dias 22 e 28. Nesse período, 30 estações de monitoramento na Amazônia registraram médias de temperatura máxima acima da normal, a maioria no Pará (7), no Maranhão (6) e no Amazonas (5).
“Na média, é esperado até 1ºC de elevação, mas a partir de dois graus realmente caracteriza essa situação de ambiente muito seco e quente. No Mato Grosso, as chuvas pararam e houve queda na umidade, o que favoreceu também o que vimos dos incêndios ao longo do ano”, explica Mendes.
No final deste ano, há a possibilidade de mais um fenômeno atuando na região e que pode ter um impacto de alívio na temperatura: o La Niña. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), há 60% de probabilidade de ele ocorrer, o que pode provocar o resfriamento do Oceano Pacífico e um aumento na incidência de chuvas no território amazônico. O pesquisador Fábio Nunes, do Laboratório de Modelagem do Sistema Climático Terrestre (LabClim), da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), explica que é esperada uma neutralização do calor na região, mas que o La Ninã deve ser de “intensidade fraca”.
“Se ela [La Niña] entrar, pode ser que intensifique um pouco mais as chuvas. Após entrar nessa normalidade, as temperaturas tendem a ser normalizadas e acontecer dentro do esperado”, explica.
O climatologista José Marengo também afirmou, durante reunião de Avaliação e Previsão de Impactos, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em 22 de outubro, que “nos diferentes valores de temperatura do mar, observa-se um resfriamento muito pequeno” e que “a conclusão de alguns centros é que o La Niña pode se configurar no final do ano, com o pico possivelmente ocorrendo no próximo ano, mas os indicadores mostram uma La Niña bastante fraca”.
Por: Jullie Pereira – Infoamazonia