Detentor de alguns dos maiores rios de água doce do planeta, o Amazonas vem sendo atingido pela crise climática de forma severa e registra, pelo segundo ano consecutivo, a maior seca dos rios em mais de 120 anos.
Apesar de fazer parte do ciclo natural da vida na Amazônia, a estiagem e a cheia têm episódios recentes que dão uma pequena mostra das mudanças no clima alertadas pela comunidade científica internacional e desafiam autoridades a garantir a chegada de insumos básicos para a população como alimentos e água.
Em comunidades ribeirinhas, já há registro de dificuldade com a água potável e Governo do Estado e prefeituras têm se mobilizado para encaminhar o insumo. Algumas cidades do interior, como Benjamin Constant, já impuseram racionamento à população por conta do baixo nível dos reservatórios.
Em Manaus, com o Rio Negro em seu nível mais baixo da história, muita gente se pergunta se haverá impacto no abastecimento. A empresa Águas de Manaus garante que não há riscos. E isso se deve, também, ao preparo realizado pela empresa para enfrentar a seca.
Os trabalhos começaram ainda em 2023. A concessionária informou ter investido no sistema de captação e encomendado estudos para entender o comportamento do Rio Negro, do Solimões e das nascentes, desde o Peru e a Colômbia.
“Esses estudos são essenciais para prever o comportamento do rio Negro e nos dar condições de estar preparados para a estiagem deste e dos próximos anos”, disse o Gerente de Operações da concessionária, Lineu Machado.
A estratégia deu certo e Manaus não enfrentou problemas com o abastecimento de água, mesmo com a maratona climática deste ano que causaram uma inédita escassez hídrica. Entre julho e setembro, a cidade viveu, ao mesmo tempo, a seca dos rios, a falta de chuvas e uma onda de calor que fez a temperatura, em alguns dias, causar sensação térmica de 47º C. Isso tudo se refletiu no consumo de água, que disparou e foi quase 30% maior este ano.
Enquanto o Polo Industrial de Manaus (PIM) e o comércio se mobilizaram para garantir a dragagem de rios e a implantação de um novo porto para a chegada de mercadorias, em Itacoatiara, para a concessionária de água o desafio foi garantir que não faltasse água nas torneiras manauaras.
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A empresa destaca que, em sete anos, destinou mais de R$1 bilhão na ampliação e modernização de sua estrutura e que, agora, avalia a introdução de novos produtos químicos como parte da estratégia de enfrentamento à seca. “Esses são investimentos de médio e longo prazo, e o planejamento prossegue a cada cinco anos para cada vez mais estarmos preparados para as mudanças climáticas que podem se agravar”, disse Machado.
Um sistema tecnológico faz o monitoramento em tempo real da condição do rio e da rede de abastecimento da empresa, o que permite a adoção de medidas de contenção de forma célere. A Águas de Manaus também está realizando investimentos que vão desde a atualização, a modernização em retrofit de acionamentos de motores elétricos, como também a instalação de novos inversores de frequência, que são equipamentos que garantem o abastecimento de água, além da aquisição de novos equipamentos de bombeamento.
Crimes ambientais prejudicam formação de chuvas e pioram seca
Desertos quilométricos se formam onde antes havia abundância hídrica ao mesmo tempo em que os crimes ambientais crescem, prejudicando a formação de chuva na Amazônia brasileira.
No Amazonas, as chuvas sumiram em agosto, reduzidas aos menores patamares da história. O mês também foi marcado pelo recorde nos focos de calor, de acordo com monitoramento realizado pela Defesa Civil. Ao todo, foram 10.328 focos de queimadas neste ano, o que representou um aumento de aproximadamente 53% em comparação ao mesmo período de 2023, que teve 5.474 focos.
Parte da comunidade científica acredita que a seca deste ano é um prolongamento do fenômeno iniciado no ano passado, e os indicadores mostram que bacias hidrográficas amazônicas não se recuperaram do nível de vazante de 2023.
Coordenador de hidrologia do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (LBA/Inpa), o pesquisador Renato Senna explica que muitas cabeceiras de rios estão apresentando anomalias significativas no volume de precipitação, o que afeta toda estação chuvosa e o período de enchimento dos grandes rios.
O especialista salienta que o fenômeno El Niño, que começou em julho do ano passado, e o aquecimento do Oceano Atlântico Tropical Norte, continuaram a influenciar o clima até o final do primeiro semestre de 2024.
“As mudanças nas condições climáticas afetaram o padrão de circulação atmosférica, levando à redução e, em alguns casos, a completa ausência de formação de nuvens na região. Essa situação resultou em uma queda significativa nas precipitações ao longo de toda a estação chuvosa da Amazônia. Esse período é crucial para o acúmulo de água e o abastecimento das grandes bacias hidrográficas que compõem o Rio Amazonas”, relatou o especialista.
No dia 3 de outubro deste ano, o Porto de Manaus registrou a cotação de 12,68 metros, chegando ao novo recorde histórico para o Rio Negro, em Manaus. Segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB), a descida das águas ainda não parou e se espera que a seca se prolongue e o rio baixe para menos de 12 metros até o fim do mês de outubro de 2024.
Ao todo, 62 municípios do Amazonas enfrentam situação de emergência devido à seca. O Rio Solimões registrou o nível mais baixo da história, e a mínima chegou a 7,38 em Fonte Boa e de 4 m no Rio Purus, em Beruri. De acordo com a Defesa Civil, todas as calhas de rios do estado estão em situação crítica de vazante. Quase 750 mil amazonenses estão sendo impactados pelo fenômeno.
Comunidades ribeirinhas sofrem com a seca
Pequenas comunidades que vivem do turismo estão em sofrimento prolongado por conta da ausência de visitantes. É o caso da comunidade de São Sebastião do Sacará, no Iranduba (a 27 quilômetros de Manaus). A região é conhecida por seus igapós e lagos formados durante o período da cheia. Localizada no Rio Negro, a comunidade é formada por diferentes solos e vegetações.
No local, vivem cerca de 200 habitantes, que sobrevivem da pesca e do artesanato. A água consumida na comunidade do Sacará é proveniente de poço artesiano e o armazenamento é feito em caixas d’água, com tratamento realizado com hipoclorito.
Nossa equipe de reportagem visitou a comunidade para conversar com moradores. Eles explicaram como a estiagem impacta diretamente no cotidiano do local.
“É muito difícil, para a gente conseguir o alimento tem que andar quase uma hora a pé, chegar na beira do igarapé, pegar a canoa e buscar o alimento. A pesca está difícil, só de malhadeira e uma rede pequena para pegar o peixe”, contou o pescador de 56 anos, Hilário Vidal.
O abastecimento de água na comunidade preocupa. “A gente se abastece através do poço, que está com problema. Como a gente usa a água para beber e ela está ficando turva, com gosto de ferrugem, estamos utilizando bomba e motor bomba para puxar a água do lago que é uma água limpa”, contou a dona Rosana Nonata, de 53 anos.
Reportagem de Hillary Cruz, Victória Motta e Vitória Amanda