Avaliação dos contratos celebrados para obras na rodovia BR-319 indica baixos nĂveis de transparĂȘncia em quase todas as fases da contratação. Foram identificadas ausĂȘncia de consultas livres, prĂ©vias e informadas Ă população impactada; fragilidade de informaçÔes sobre a execução dos contratos; e falta de informação ampla sobre o licenciamento ambiental.
Essa vulnerabilidade se torna ainda mais preocupante num momento em que o Congresso Nacional discute flexibilizar as regras para o licenciamento ambiental de obras da rodovia, construĂda nos anos 1970 e causa de inĂșmeros casos de desmatamento e danos socioambientais atĂ© hoje.
Foram analisados os 21 contratos que vigoravam em outubro do ano passado, sendo que 18 deles ainda estĂŁo vigentes. Os resultados constam da nota tĂ©cnica âTransparĂȘncia dos Contratos Vigentes da BR-319â, produzida pela TransparĂȘncia Internacional – Brasil e pelo ObservatĂłrio BR-319. O documento estĂĄ sendo divulgado nesta sexta-feira (5).
O estudo foi feito com base na metodologia do âGuia Infraestrutura Abertaâ, desenvolvida pela TransparĂȘncia Internacional â Brasil. A ferramenta permite a avaliação dos nĂveis de transparĂȘncia de grandes projetos de infraestrutura, considerando as diferentes fases do ciclo de vida das obras, incluindo avaliaçÔes sobre os formatos das informaçÔes, os riscos socioambientais da infraestrutura e a existĂȘncia de oportunidades de participação social no processo decisĂłrio.
Para a avaliação, foram acessados diversos portais do governo federal com informaçÔes sobre os contratos da BR-319, sendo que o mais usado para o diagnĂłstico foi o contratosÜgov. A nota tĂ©cnica vai alĂ©m da avaliação dos contratos e busca outros mecanismos capazes de garantir mais transparĂȘncia e aprimorar a governança das obras da rodovia BR-319.
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Resultados da aplicação do Infra Aberta nos contratos da BR-319, por módulo:

Classificação da transparĂȘncia de acordo com o Guia Infraestrutura Aberta:

A avaliação mostrou que o pior desempenho (que recebeu a nota 0, numa escala de 0 a 100) foi em relação Ă s consultas livres, prĂ©vias e informadas aos povos da floresta e a todos os grupos e comunidades potencialmente afetados pela construção da BR-319, principalmente aqueles que residem em territĂłrios na ĂĄrea de influĂȘncia da estrada. Apesar de essas consultas serem previstas pela Convenção n.Âș 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil Ă© signatĂĄrio, isso nunca foi cumprido no caso da BR-319.
A segunda pior nota foi atribuĂda Ă fase de execução contratual (nota 5,5, na escala de 0 a 100). A avaliação demonstrou que nĂŁo hĂĄ transparĂȘncia sobre relatĂłrios de auditoria de fiscalizaçÔes efetuadas, informaçÔes sobre programas de integridade existentes nas empresas vencedoras das licitaçÔes, e sobre possĂveis sançÔes ou multas jĂĄ aplicadas.
AlĂ©m disso, viu-se que nĂŁo Ă© possĂvel tomar conhecimento, por transparĂȘncia ativa – isto Ă©, aqueles dados e informaçÔes publicados proativamente pelos ĂłrgĂŁos do governo – de informaçÔes mais especĂficas sobre as obras contratadas, como fotos, localizaçÔes e cronogramas, e nem dos registros de reuniĂ”es com grupos e comunidades impactadas pela obra apĂłs a fase de contratação. NĂŁo foi possĂvel identificar agĂȘncias financiadoras, nem se hĂĄ salvaguardas ambientais impostas pelos financiadores.
TambĂ©m foi considerada baixa a nota da fase preliminar dos contratos e riscos socioambientais (nota 23,3). Nesse quesito, foram encontradas apenas as informaçÔes mais bĂĄsicas buscadas, como avaliação sobre os riscos da contratação, a designação do local do empreendimento, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o RelatĂłrio de Impacto Ambiental (RIMA) – que estĂŁo entre os instrumentos mais importantes para o processo prĂ©vio de licenciamento ambiental – e o chamamento para realização de audiĂȘncias pĂșblicas sobre o licenciamento ambiental prĂ©vio.
Faltavam, no entanto, estudos prĂ©vios de viabilidade e informaçÔes sobre os estudos do componente indĂgena ou quilombola realizados, o termo de referĂȘncia para contratação do EIA e RIMA, e a ata e relatĂłrio de devolutiva da audiĂȘncia pĂșblica sobre o licenciamento prĂ©vio.
Outro aspecto que recebeu classificação baixa foi em relação a diretrizes para a publicação de dados e informaçÔes (nota de 38,9). O portal analisado (contratosÜgov) cumpriu apenas diretrizes mais gerais de centralização e acessibilidade aos contratos, e falhou em ampliar acesso Ă informação via transparĂȘncia passiva e permitir que cidadĂŁos façam denĂșncias ou sugestĂ”es.
Ănico quesito a receber a classificação âmĂ©diaâ foi a transparĂȘncia na fase externa da licitação. Tanto no portal do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) quanto no contratosÜgov foi possĂvel identificar informaçÔes como homologaçÔes das licitaçÔes, atas das reuniĂ”es das comissĂ”es de licitaçÔes, licenças de instalação, propostas vencedoras e nomes das empresas contratadas. Em contrapartida, nĂŁo estĂŁo disponĂveis informaçÔes como o parecer tĂ©cnico dos ĂłrgĂŁos envolvidos quanto ao licenciamento ambiental e extrato do contrato.
âA ausĂȘncia de transparĂȘncia em obras que possuem grande relevĂąncia para o paĂs, como Ă© o caso da rodovia BR-319, evidencia as dificuldades para os ĂłrgĂŁos de controle, a população em geral e a sociedade civil realizarem o controle social dessas obras e, ao mesmo tempo, uma dificuldade dos ĂłrgĂŁos governamentais em organizar e publicar as informaçÔes sobre todo o ciclo de vida de uma obra dessa magnitude. Para garantirmos a realização Ăntegra, transparente e sustentĂĄvel das obras na rodovia, Ă© urgente a organização e oferta de informaçÔes sobre as decisĂ”es relativas Ă s obras na BR-319, alĂ©m da ampliação do diĂĄlogo e consulta aos povos e comunidades afetados pela rodoviaâ, diz Amanda Faria Lima, analista de integridade e governança pĂșblica da TransparĂȘncia Internacional â Brasil.
Esta Ă© a primeira vez que uma organização da sociedade civil realiza um levantamento sobre transparĂȘncia na BR-319. âEsta nota tĂ©cnica representa um marco importante para o ObservatĂłrio BR-319, pois a transparĂȘncia contribui bastante para o fortalecimento da governança na ĂĄrea de influĂȘncia da rodovia. AlĂ©m disso, a publicação reafirma o que jĂĄ estamos dizendo hĂĄ anos: que as consultas livres, prĂ©vias e informadas sĂŁo essenciais para a tomada de decisĂ”es a respeito do empreendimentoâ, destaca Fernanda Meirelles, secretĂĄria-executiva do ObservatĂłrio BR-319.