Ao menos uma em cada cinco mães brasileiras que amamentaram seus bebês nos últimos anos fez a amamentação cruzada, que é quando uma mulher amamenta o filho de outra pessoa ou usa o leite de outra mãe para alimentar o seu próprio bebê, de acordo com estudo publicado no Caderno de Saúde Pública.
Embora essa prática seja potencialmente comum, especialmente por questões culturais, não é recomendada pelo Ministério da Saúde devido ao seu considerável risco. Isso se deve aos perigos associados à transmissão de doenças e à exposição do bebê a substâncias que podem não ser compatíveis com a sua saúde.
Segundo especialistas, um dos potenciais riscos ligados à amamentação cruzada é a transmissão de doenças infecciosas da mulher que está amamentando para o bebê que está recebendo o leite diretamente do peito. Por exemplo, no caso do HIV, se uma mãe for soropositiva e amamentar, há o risco de transmitir o vírus tanto ao bebê receptor quanto ao seu próprio filho.
“A amamentação cruzada não é recomendada. A Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano também não indica esta prática, devido ao risco de transmissão de HIV, hepatite B ou C e sífilis. Também há o risco de passagem de medicamentos, substâncias químicas ou toxinas através do leite que não é da própria mãe. Esse resultado é preocupante do ponto de vista da saúde pública”, alertou a nutricionista Vanessa Figueira, responsável pelo Banco de Leite do Hospital Israelita Albert Einstein.
A especialista explica que é crucial que as mães conheçam seu estado de saúde, façam exames regulares para detectar possíveis infecções e sigam as orientações médicas sobre a amamentação em casos de infecções transmissíveis pelo leite materno. “Por isso, é importante destacar a importância da conscientização sobre as práticas seguras de amamentação e a necessidade de orientação adequada às mães sobre os riscos associados à amamentação cruzada”, completou.
LEIA TAMBÉM: Amamentação e volta ao trabalho: como seguir com o aleitamento materno?
Como foi feita a pesquisa?
Para chegar aos resultados, os autores utilizaram os dados do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI), uma pesquisa populacional de base domiciliar que coletou informações de 14.558 crianças com menos de 5 anos entre fevereiro de 2019 e março de 2020. Os cientistas analisaram os dados de 5.831 mães biológicas que relataram ter amamentado seu filho com menos de dois anos pelo menos uma vez. Essas participantes responderam às perguntas sobre amamentação cruzada, doação e recepção de leite humano nos bancos de leite humano.
Entre as mães de crianças com menos de dois anos que amamentaram o filho pelo menos uma vez, 21,1% afirmaram que praticaram a amamentação cruzada. Amamentar outra criança foi mais frequente (15,6%) do que permitir que a sua criança fosse amamentada por outra mulher (11,2%). Além disso, entre essas mulheres, somente 4,8% doaram leite humano para um banco de leite humano e 3,6% relataram que seus filhos receberam leite humano doado.
Na avaliação da nutricionista, esse resultado pode ser influenciado por fatores sociais, culturais e individuais, como a saúde da mulher. “Em algumas culturas, a amamentação cruzada pode ser considerada uma forma de solidariedade e cooperação entre mulheres. Outra questão é que se a mãe estiver enfrentando desafios de saúde que a impeça de amamentar, ela pode estar mais disposta a permitir que outra mulher forneça leite ao seu filho. Além disso, pode haver uma variedade de motivos pessoais que levam uma mãe a escolher amamentar o filho de outra mulher em vez de permitir que sua própria criança seja amamentada por outra pessoa”, ponderou a nutricionista.
E o leite dos bancos de leite?
Então, como garantir a segurança do leite disponível nos bancos de leite? Segundo a nutricionista, a doação de leite segue as normas da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano e as regras da resolução RDC 171 de 2006, que regulamenta o funcionamento dos bancos e postos de coleta de leite, garantindo a segurança e a saúde dos bebês que recebem esse leite. O leite doado para os bancos de leite é para uso exclusivo de bebês que estão internados e não podem mamar o leite da própria mãe.
Para doar, a lactante deve ser saudável e, antes de efetivar a doação, passar por uma triagem e análise do resultado das sorologias de HIV, HTLV, hepatites B e C, sífilis e doença de Chagas para garantir que seu leite seja seguro. Em seguida, após análise, o leite passará pelo processo de pasteurização e ainda será coletada uma amostra para garantir que não haja contaminação microbiológica antes de ser distribuído aos outros bebês.
“O Brasil possui a maior e mais complexa rede de Bancos de Leite Humano do mundo, com aproximadamente 160 mil litros de leite humano distribuídos todos os anos a recém-nascidos de baixo peso internados em unidades neonatais no país”, afirmou a responsável pelo Banco de Leite do Einstein. Aqui é possível saber o que é preciso fazer para ser doadora.
O estudo aponta um percentual muito pequeno de mulheres que decidem doar leite materno para os bancos de leite. Na avaliação da especialista, vários fatores podem estar envolvidos na dificuldade para aumentarmos a doação de leite humano, entre eles:
- Falta de informação e conscientização: a divulgação da importância da doação e de como realizá-la deveria ocorrer, segundo a especialista, na própria maternidade ou durante a internação do bebê na UTI neonatal, período em que a mãe precisará do apoio do banco de leite ou posto de coleta para garantir sua produção de leite e oferta ao seu bebê;
- Necessidade de cadastro e controle de saúde da doadora: são fatores indispensáveis para garantir a segurança do leite doado, mas nem toda mulher está disposta;
- Dificuldade de acesso a um banco de leite: em algumas regiões, a falta de bancos de leite humano ou a distância podem dificultar o acesso das nutrizes a locais de doação.
A amamentação é essencial para a saúde da criança. As principais organizações como a Organização Mundial da Saúde (OMS), United Nations Children’s Fund (UNICEF) European Society for Pediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (ESPGHAN), American Academy of Pediatrics (AAP) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomendam aleitamento exclusivo nos primeiros seis meses de vida e, a partir de então, que a amamentação seja mantida de forma complementar por dois anos ou mais.
O ato de amamentar não é apenas nutritivo, mas também oferece conforto e segurança ao bebê, trazendo benefícios tanto para a mãe quanto para a criança, fortalecendo o vínculo afetivo entre ambos, pois o contato físico contribui para o desenvolvimento emocional e psicológico.
“A amamentação auxilia no desenvolvimento neurológico e psicomotor do bebê, reduz o risco de doenças crônicas, como obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares a curto e longo prazo, entre outros. Para a mãe, amamentar auxilia no retorno do útero ao seu tamanho normal mais rapidamente, além de ajudar na recuperação do pós-parto. Amamentar também está associada à redução do risco de doenças como câncer de mama e ovário, osteoporose e diabetes tipo 2”, disse.
Por Agência Einstein