Chova ou tenha lua, qualquer delas – cheia, minguante, crescente ou nova – ela está lá, na esquina da rua que dá acesso ao condomínio de luxo pelas bandas da Ponta Negra, zona nobre da cidade.
Loura, alta, corpo esbelto, chega não se sabe de onde. Vem sempre por volta das 18h, os últimos raios de sol ainda acesos nestes tempos de verão amazônico.
Costumeiramente, veste um short bem curto, que mais parece a calça maior de um biquíni, e um soutien de lycra , como se fosse a parte de cima do suposto duas peças. As roupas minúsculas têm adereços, brilhos e fios cintilantes, que lhes confere um ar solene, mais chique.
Nos pés, sempre, um par de botas. Marrom, preto, amarelo, azul, vermelho, lilás, modelos variados, como as cores, canos altos ou mais baixos, todos saltão 15. No cano das botas, numa grafia caprichada, lê-se o nome Gabriela, quando o espaço permite, ou Gabi, no caso de botas de canos mais baixos.
Na esquina da rua movimentada, ela desperta interesse e consegue clientes em busca de prazer, sexo livre. É comum ver um carro e outro parando para pegá-la ou devolvê-la ao ponto do negócio. Desperta também curiosidade: é mulher mesmo ou um travesti, seios fartos, cabelos bem cuidados e pele de seda…
Os moradores do condomínio de luxo já se acostumaram a passar pela figura ao entrar e sair de casa nas noites manauaras. Uns olham e cumprimentam com uma leve buzinada, baixam o vidro do carro acenando, mostram a quem os visita, como se fosse uma peça de decoração. Outros ficam constrangidos e censuram a presença nas proximidades do local de residência.
“Isso não é coisa que se faça, tanto emprego, e tantas formas de ganhar vida com mais decência”!
Há um fato: aos moradores do condomínio em que ela fica próximo é impossível não perceber a loura de botas, sua marca registrada.
Uma noite, numa reunião de condomínio no condomínio de luxo, Gabi ganhou os holofotes. Em meio às discussões sobre melhoria do local de moradia, regras de comportamento e boa convivência, um jovem médico, 30 anos no máximo, seis meses de casamento, sentencia ser necessário tirar a prostituta do ponto em que fica, em respeito à moral e aos bons costumes.
“Acabei de casar, meus sogros me visitam, colegas de trabalho vêm em casa, daqui a pouco terei filhos, e fico incomodado de ter aquela figura ali, naqueles trajes. Temos que ver uma forma de tirá-la da nossa esquina”, afirma ele.
Sugestão ouvida, não comentada, os condôminos deram sequência à reunião. E após discussões e providências a tomar encerraram o encontro.
Foi então que, tendo ido embora o jovem médico, já no momento dos comes e bebes, na resenha final, um empresário bem mais velho, casamentos feitos e desfeitos, filhos crescidos, foi taxativo: “é sério que o cara tá implicando com a Gabi… Que louco! Porque eu, todas vezes que a vejo ali na esquina só consigo ter um pensamento: quanto será que ela cobraria para escrever o nome da minha loja naquelas botas”.