Faz muito tempo… No caminho diário que eu fazia da casa da minha mãe, no bairro Aparecida, para o Colégio Auxiliadora, no final da Silva Ramos, imaginava o dia em que eu lançaria um livro de crônicas.
Indo a pé de casa para a escola, aquele sonho me ajudava a encurtar o caminho e eu o projetava de olhos abertos com total riqueza de detalhes. Imaginava o lugar da noite de autógrafos, com a fila de compradores (olha já!), os pedacinhos de papel com os nomes das pessoas e minhas dedicatórias carinhosas a quem se interessasse por ler meus escritos.
Nunca pensei em escrever romance, com tramas bem elaboradas, personagens enigmáticos e roteiro bem acabado. Queria mesmo era ser autora de um livro de crônicas, escritora das “deliciosas leituras irresponsáveis”, como papai sempre define esse gênero literário do qual aprendi a gostar com ele, e que tive a chance de conhecer melhor graças às boas aulas de português.
Foi na quinta série do então primeiro grau que descobri as crônicas, na coleção “Para gostar de ler”. E foi paixão imediata. Antes de dormir, depois das tarefas cumpridas e de alguma danação na rua, lia e relia os livros passados em sala de aula e que logo deixaram de ser obrigação para virar o prazer de viajar em “causos” simples que poderiam acontecer bem pertinho de mim, ou ser adaptados para a realidade que eu, àquela altura, conhecia bem.
Passei a pensar, então, que seria fácil contar as histórias dos meus vizinhos, dos meus primos pequenos, das minhas colegas de sala de aula e dos companheiros de danação nas ruas do bairro. Tudo inspirado nas linhas do “Para gostar de ler”, que tratavam de crianças, animais, confusões, que retratavam tipos humanos etc e eram escritas por grandes nomes da literatura nacional a quem eu, àquela altura uma menina de pouco mais de dez anos, dava importância reservada.
Foi naquela época que descobri Carlos Drummond de Andrade como cronista. Descobri, também, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino. Este último “o que nasceu homem e morreu menino”. E na minha meninice quis ser eles… O que, de alguma forma, fui!
Por conta do que eles escreviam passei a olhar melhor para as ruas, para as casas, que segredos guardam, que vidas abrigam? Passei a reparar com mais calma na gente que segue sabe lá indo para onde ou vindo de que lugar, com que notícia, cabeças repletas de preocupações e corações fervilhando de amores… Graças a eles descobri que o céu azul poderia render um texto delicioso, assim como uma tarde de tempestade e nuvens negras.
Porque a literatura nos faz livres e nesta liberdade nos permite ser, seguir, sem precisar de grandes explicações ou justificativas. Um dia li Fernando Sabino contar que escrevia porque essa era a forma encontrada por ele de modificar os fatos acontecidos na realidade. Pensei que também queria fazer aquilo. E por tantas vezes ensaiei, nos cadernos escolares, escrever como ele, brincar com a realidade como ele, plagiando a ele e aos colegas de “Para gostar de ler”.
Hoje, tantos anos depois dos sonhos e ensaios, quando aceito o convite para escrever crônicas, sinto enorme gratidão por estes homens que nunca vi ao vivo, mas que, de alguma forma, tive perto como bons companheiros e que tanto me instigaram a querer retratar o cotidiano. E me ajudaram a perceber que a vida é feita de momentos, de agora, horas e dias, gente anônima e situações corriqueiras que vão construindo a História de um povo, de uma cidade, de um País.