Com a intensificação do uso de redes sociais nos últimos anos, a moda ganhou outra importância: ser atraente não só para as pessoas, mas também para os algoritmos. Essa nova realidade, que impacta o comportamento e o pensamento das pessoas, trouxe à tona, mais uma vez, o problema da adoção ou compra de animais de estimação, como o cachorro, por impulso. A atitude, por parte dos tutores que não buscam informações sobre os bichinhos, perpetua um ciclo de expectativa e abandono.
A questão da tendência não é exclusivamente dos dias de hoje nem foi criada por causa da internet. Os lhasa apsos, do Tibete, ainda que em outro contexto, eram presenteados em sinal de respeito, além de serem a raça oficial do Dalai-Lama. Porém, com tanta informação disponível atualmente, a professora Daniele dos Santos Martins, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos de Pirassununga (FZEA) da USP, lamenta que os animais ainda sejam adquiridos em situações adversas por tutores, muitas vezes, despreparados. Segundo ela, a aparição de algumas raças nas mídias sociais ou na televisão faz com que haja uma disparada na aquisição daquele tipo.
“O modismo é prejudicial aos animais e também aos seus tutores, pois muitos desconhecem as especificidades das raças, podendo gerar inconvenientes para os tutores e transtorno para os animais”, afirma a especialista em Bem-Estar Animal. “A aquisição de uma raça de cão sem análise prévia de suas necessidades e a real expectativa familiar podem acarretar problemas não só para o cão, mas também para a família, como brigas, discussões e até mesmo falta de paciência com o animal recentemente adquirido e, consequentemente, vem o abandono.”
A adoção de um animal de estimação nunca é uma tarefa simples. Trata-se de um ser vivo, com necessidades que são, muitas vezes, diferentes das do ser humano e se tornam extremamente dependentes e apegados aos tutores. No fim, o pet passa a ser um verdadeiro membro da família. Ao longo das décadas, diversos tipos de cães tiveram seu apogeu no Brasil, como o pequinês, o pastor alemão, o yorkshire e até mesmo o husky siberiano. Atualmente, a raça do momento é o spitz alemão – popularmente chamado de lulu da Pomerânia.
Isso mostra que não basta só paixão à primeira vista. Para que a relação vire amor, é necessário saber se o animal tem condições de prosperar no ambiente que o tutor pode oferecer, a partir de suas características singulares. Daniele destaca que “os animais apresentam necessidades físicas e psicológicas, manifestando expectativas quanto ao meio ao seu redor. Quando essas necessidades não são supridas, eles podem desenvolver o que chamamos de estereotipias”. Ela alerta para o fato de que nem todos os cachorros são iguais. “Algumas raças necessitam de atividades físicas mais intensas e mais aceleradas do que outras. Sendo assim, deixar um animal superativo com pouca atividade irá anular a sua expectativa em relação ao meio que vive, e essa energia será direcionada para outra finalidade. Assim, muitas vezes, temos reclamações de tutores dizendo que seus cães destroem os móveis da casa, por exemplo.”
Mudanças genéticas
Outra grave questão motivada pelo dinheiro gerado a partir do modismo é o cruzamento irresponsável, que muda características de raças e promove até mesmo alterações genéticas. Um exemplo é o que aconteceu com o poodle, muito popular no Brasil durante a década de 1990, mas que passou a ser cada vez menos visto nas ruas. Com a demanda dos clientes por animais menores, criadouros buscaram reduzir o tamanho da raça. O resultado foi o surgimento de cachorros com diversos problemas, que acabaram, com o tempo, abandonados.
Daniele explica que a interferência “acabou modificando alguns aspectos específicos das raças. Dentre as alterações, podemos destacar, por exemplo, alterações do tamanho e cor de pelagem”. De acordo com a professora, algumas raças passaram, então, a apresentar maior predisposição a afecções de pele, problemas oculares e respiratórios. “Em algumas raças, podemos apontar sérios problemas articulares”, conta.
Mas não é só com os cachorros. Outros animais também passam pela questão da adoção ou compra impensada. “Enfrentamos, por exemplo, problemas com tutores de roedores, coelhos e répteis. Muita gente adquire esses animais, mas não sabe sobre a biologia, o comportamento e, principalmente, desconhecem a alimentação dessas espécies”, enfatiza Daniele.
Inimiga ou amiga?
Apesar de as redes sociais terem o poder de acelerar a troca da raça da moda entre os cães, são também o meio que pode conscientizar novos donos. A professora da FZEA explica que o ciclo de compra e abandono só será quebrado com informação e análise da real necessidade da família que busca um companheiro de quatro patas. “A internet pode ser uma aliada nessa busca por um animal ideal, pois nela é possível encontrarmos explicações sobre diferentes raças, comportamento e necessidades, e assim a família pode traçar um perfil com algumas raças potenciais para serem adquiridas. Entretanto, saliento que essa busca deve ser realizada em sites confiáveis. Outro ponto crucial é a conversa com um médico veterinário de confiança”, completa a especialista.
*Estagiário sob supervisão de Ferraz Jr.