O professor Paulo Feldmann fala sobre o programa Desenrola Brasil, por meio do qual o governo pretende encontrar uma solução para os mais de 70 milhões de endividados do País
A partir de julho, a inscrição de credores para a renegociação de dívidas por meio do programa Desenrola Brasil será iniciada. O projeto é uma promessa de campanha do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vinha comentando que “é preciso encontrar uma saída para os endividados”.
Com a finalização dos cadastros para participação do programa, haverá um leilão de créditos para definição das instituições financeiras que poderão fazer parte do projeto e, finalmente, em setembro, as negociações serão abertas para o público geral. Além da negociação de dívidas, ele também prevê o perdão para as inadimplências de até R$ 100, e os endividamentos que se originaram a partir de empréstimo consignado serão atendidos pelo programa.
Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, explica que 71 milhões de pessoas estão inadimplentes no Brasil hoje, valor que representa cerca de 43% da população adulta do País, com dívidas médias entre R$ 4.600 e R$ 4.700. “O programa Desenrola foi criado porque o Brasil chegou em uma situação calamitosa […] esse é um problema seríssimo que complica evidentemente a vida das pessoas que ficam negativadas”, discorre. O problema também interfere diretamente na sociedade como um todo, uma vez que o alto número de endividados atrapalha o nível de consumo de diferentes atividades.
Existem duas faixas de benefício para o funcionamento do projeto. A primeira, que pretende atingir 40 milhões de pessoas, denominada de faixa 1, vai atender especialmente aos indivíduos que recebem menos de dois salários mínimos por mês (R$ 2.640) e aqueles que fazem parte do Cadastro Único para Programa Sociais, o CadÚnico. Nela, poderão ser negociadas dívidas de até R$ 5 mil feitas entre 1º de janeiro de 2019 e 31 de dezembro de 2022.
A faixa 2 pretende atingir as pessoas que possuem uma renda mensal de até R$ 20 mil e o pagamento da dívida negociada deverá ser feita em até 12 meses. Feldmann explica que há uma grande diferença entre as duas faixas: na primeira, o governo vai garantir para os bancos que, caso o indivíduo não pague o valor renegociado, compensará a instituição. Na faixa 2, a garantia não existe e, se o sujeito não pagar, o banco arcará sozinho com a dívida.
Benefícios
O especialista explica que esses programas apresentam uma série de vantagens, já que o sujeito tem a liberdade para escolher com que banco irá negociar e há a possibilidade do acordo ser realizado de forma remota. “O problema é se depois houver uma inadimplência, mas esses casos devem representar uma porcentagem baixa. A grande maioria das pessoas vai aproveitar a oportunidade e resolver essa inadimplência que mancha sua reputação”, comenta.
Contudo, nos casos em que houver inadimplência, na faixa 1, o governo utilizará o Fundo de Garantia para compensar o banco e o indivíduo continua negativado e com o seu nome sujo. Na faixa 2, como a negociação é entre a pessoa e o banco, a instituição deve encontrar uma forma de cobrar a pessoa que está inadimplente, como já está acostumada a fazer.
Futuro
“Veja, é um bom programa, mas a gente tem que levar em conta que ele se tornou extremamente necessário por conta dessa inadimplência gigantesca que o País atingiu e que abrange 70 milhões de pessoas”, discorre o professor. Esse número representa a maior inadimplência já vista no País e analisar os meios que levaram à sua ocorrência é essencial para evitar que esse cenário se repita.
Segundo o professor, os dados apresentam relação direta com a onda de desemprego sofrida nos últimos anos, assim, grande parcela da população não teve opções e se endividou. “O que precisa ser feito, na minha opinião, é um grande programa de geração de empregos para diminuir o desemprego, que continua muito alto no Brasil”, declara.
Além disso, é também essencial diminuir o número de trabalhadores informais, que são representados por cerca de 100 milhões de pessoas no País: “40% das pessoas que compõem a massa de trabalhadores apresentam o seu trabalho de forma informal, ou seja, não têm carteira assinada, não têm direitos, não têm Fundo de Garantia, não têm INSS, não têm 13º, não têm nada”, finaliza Feldmann. Assim, pensando em evitar que essa situação se repita mais uma vez, é essencial que o governo federal pense também em políticas públicas para a diminuição da informalidade e do desemprego no País.
TEXTO: Jornal da USP