A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, há seis dias, a varíola dos macacos como emergência de saúde pública de interesse internacional. Conhecida internacionalmente como monkeypox, a doença, endêmica em regiões da África, já atingiu neste ano 20.637 pessoas em 77 países.
No Brasil, são 978 casos, sendo 744 apenas em São Paulo. Considerando a importância da informação para combater o avanço do surto, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) realizou, nesta quinta-feira (28), um encontro onde especialistas apresentaram o que já se sabe sobre a doença e também responderam dúvidas de participantes presenciais e online.
“Esse vírus nós conhecemos e sabemos como lidar com ele. Temos todos os elementos para fazer sua erradicação”, disse o médico Amilcar Tanuri, coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ e consultor do Ministério da Saúde.
Segundo ele, como já existem muitos estudos sobre a monkeypox, é uma situação diferente da covid-19, que surgiu como uma doença nova. No entanto, o pesquisador alerta que o sucesso no combate ao surto dependerá do compromisso do poder público.
A monkeypox é causada por um poxvírus do subgrupo orthopoxvírus, assim como ocorre por outras doenças como a cowpox e a varíola humana, erradicada em 1980 com o auxílio da vacinação. O quadro endêmico no continente africano se deve a duas cepas distintas.
Uma delas, considerada mais perigosa por ter uma taxa de letalidade de até 10%, está presente na região da Bacia do Congo. A outra, com uma taxa de letalidade de 1% a 3%, encontra-se na África Ocidental e é a que deu origem ao surto atual.
No entanto, segundo o médico, o vírus em circulação sofreu um rearranjo gênico que contribuiu para sua capacidade de transmissão pelo mundo. “Ele teve uma evolução disruptiva, sofreu uma mutação drástica”, afirmou. O pesquisador afirmou que casos graves não são recorrentes. A preocupação maior abrange os grupos de risco que incluem imunossuprimidos, crianças acima de 13 kg e gestantes.
“A taxa de letalidade tem relação com o sistema de saúde local. No surto atual, até o momento, não tivemos óbitos fora das áreas endêmicas. Isso mostra que o vírus da monkeypox é de baixa letalidade”, salientou a virologista Clarissa Damaso, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus da UFRJ e assessora da OMS.
Transmissão e sintomas
A varíola dos macacos foi descrita pela primeira vez em humanos em 1958. Na época, também se observava o acometimento de macacos, que morriam. Vem daí o nome da doença. No entanto, no ciclo de transmissão, eles são vítimas como os humanos. Na natureza, roedores silvestres representam o reservatório animal do vírus.
“Não há reservatórios descritos em locais fora da África. Uma das maiores preocupações no surto atual é impedir o vírus de encontrar um reservatório em outros países. Se isso acontece, é muito mais difícil a contenção”, explicou Clarissa.
Sem um reservatório animal, a transmissão no mundo vem ocorrendo de pessoa para pessoa. A infecção surge a partir das feridas, fluidos corporais e gotículas do doente. Isso pode ocorrer mediante contato próximo e prolongado sem proteção respiratória, contato com objetos contaminados ou contato com a pele, inclusive sexual.
O tempo de incubação do vírus varia de cinco a 21 dias. O sintoma mais característico é a formação de erupções e nódulos dolorosos na pele. Também podem ocorrer febre, calafrios, dores de cabeça, dores musculares e fraqueza.
“As lesões são profundas, bem definidas na borda e há uma progressão: começa como uma mancha vermelha que chamamos de mácula, se eleva tornando-se uma pápula, vira uma bolha ou vesícula e, por fim, se rompe configurando um crosta”, explicou o infectologista Rafael Galliez, professor da Faculdade de Medicina da UFRJ.
Pelo protocolo da OMS, devem ser considerados suspeitos os casos em que o paciente tiver ao menos uma lesão na pele em qualquer parte de corpo e se enquadrar em um desses requisitos nos últimos 21 dias: histórico de viagem a país com casos confirmados, contato com viajantes que estiveram nesses país ou contato íntimo com desconhecidos.
Diagnóstico e tratamento
O Laboratório Molecular de Virologia da UFRJ se firmou como um dos polos nacionais para diagnóstico da doença. O primeiro caso no estado do Rio de Janeiro foi detectado em 14 de junho, cinco dias depois da primeira ocorrência no país ser confirmada em São Paulo. De lá pra cá, já são 117 resultados positivos no estado do Rio. Outros estados também têm enviado amostras para análise na UFRJ.
Essas análises são realizadas em fluidos coletados diretamente das lesões na pele, usando um swab [cotonete estéril] seco. Existe a expectativa de que a população tenha, em breve, acesso a testes rápidos de detecção de antígenos, similar aos que foram feitos para a covid-19.
Mesmo nos quadros mais característicos, o exame é importante para confirmar análise clínica. Um desafio para a detecção da doença é a semelhança de suas lesões com as provocadas pela varicela, doença popularmente conhecida como catapora e causada por um vírus de outro grupo. A mudança de perfil dos sintomas também tem levantado um alerta de especialistas. Na varíola dos macacos, as erupções costumavam surgir mais ou menos juntas e evoluíam no mesmo ritmo.
“Começamos a ver casos com lesões únicas, às vezes na região genital ou anal, às vezes no lábio, às vezes na mão. E também vemos lesões que aparecem em momentos diferentes, de forma mais parecida com a catapora. Esse padrão é diferente do que se estudava sobre monkeypox“, disse o infectologista Rafael.
Uma vez detectada a doença, o tratamento se baseia em suporte clínico e medicação para alívio da dor e da febre. Um antiviral chamado tecovirimat, que bloqueia a disseminação do vírus, já é usado em alguns países, mas ainda não está disponível no Brasil.
Segundo o médico, 10% dos pacientes têm sido internados para o controle da dor, geralmente quando há lesões no ânus, nas partes genitais ou nas mucosas orais, dificultando a deglutição.
Prevenção e vacinas
A vigilância para a rápida identificação de novos casos e o isolamento dos infectados são fundamentais para se evitar a disseminação da doença. Pode ser necessário o período de até 40 dias para a retomada das atividades sociais. Mesmo que o paciente se sinta melhor, deve se manter em isolamento enquanto ainda tiver erupções na pele. “Na catapora, a lesão com crosta já não transmite o vírus. Na varíola dos macacos, essa lesão transmite”, acentuou Rafael.
O infectologista alertou para a importância de se evitar contato com as pessoas que integram os grupos de risco. Segundo ele, embora existam poucos estudos de casos envolvendo gestantes, os resultados não são bons. “Há uma letalidade pediátrica alta. Existe o que a gente chama de transmissão vertical, isto é, o acometimento do feto com danos graves: perda das estruturas da placenta e abortos espontâneos. Com o pouco que se sabe, é considerada uma doença obstétrica grave. Suspeitos de estarem contaminados devem ser orientados a evitar contato com qualquer pessoa que possa estar grávida”, alertou.
Os especialistas da UFRJ também observaram que o uso de preservativo não previne a infecção, já que o intenso contato e a troca de fluidos corporais durante o ato sexual oferece diversas oportunidades para a transmissão do vírus. Por outro lado, há indícios de que as pessoas vacinadas contra a varíola humana tenham proteção contra a monkeypox.
Também sabe-se que sistema imunológico desenvolve proteção cruzada contra os diferentes orthopoxvírus. Isso significa que quem já foi contaminado com a varíola humana ou com a vaccinia, por exemplo, e possivelmente possui imunidade para a varíola dos macacos. Foi com base nesse conhecimento que se criou a vacina antivariólica. Embora voltado para combater a varíola que acometia exclusivamente humanos e possuía uma alta taxa de letalidade entre 30% e 40%, o imunizante foi desenvolvido a partir do vírus da vaccinia, doença que costuma infectar o gado leiteiro e os ordenhadores.
Com a erradicação da varíola, a vacinação foi suspensa em todo o mundo por volta de 1980. No Brasil, campanhas mais robustas ocorreram até 1975, mas até 1979 o imunizante era aplicado nos postos de saúde. Os indícios apontam que quem nasceu antes dessa data e foi vacinado está protegido contra a monkeypox. A média de idade dos contaminados está abaixo dos 38 anos.
Embora já existam vacinas para ajudar no combate ao surto da varíola dos macacos, não há previsão quanto a uma campanha para imunização em massa.
A OMS orienta que se garanta a proteção de profissionais de saúde e pesquisadores laboratoriais. Para os demais grupos populacionais, a imunização deve ser após a exposição. Segundo a virologista Clarissa, trata-se de usar a estratégia de vacinação em anel: são vacinadas pessoas que vivem e que tiveram contato com um paciente positivo na tentativa de bloquear a disseminação do vírus. “Essa vacina funciona muito bem até quatro dias pós-infecção”, observou.
Clarissa acrescenta que não há, neste momento, vacina para todos e a produção mundial vai levar tempo. “Os fabricantes não tinham previsão de produção para uma doença que afetasse o mundo todo. A produção era exclusivamente para estoque estratégico de países que têm programas de biodefesa. O Brasil, como várias outras nações, não tem isso”, explicou. Segundo Rafael, estudos já mostraram a eficácia da estratégia de vacinação em anel em determinados cenários de surto.
Perfil dos infectados
Homens com menos de 40 anos representam a grande maioria dos infectados. Estudos no Reino Unido constataram que muitas vítimas se declaram homossexuais ou bissexuais. Os especialistas, no entanto, alertam que a varíola dos macacos pode acometer qualquer pessoa e não apenas aquelas do sexo masculino com vida sexual ativa. Mulheres e adolescentes já foram diagnosticados com a doença pelo Laboratório Molecular de Virologia da UFRJ.
O diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, aconselhou esta semana que homens que fazem sexo com homens reduzam, neste momento, o número de parceiros sexuais. Ao mesmo tempo, alertou que “estigma e discriminação podem ser tão perigosos quanto qualquer vírus e podem alimentar o surto”.
Segundo o médico Amilcar Tanuri, a desinformação pode deixar a sociedade despreparada para lidar com o surto. “Isso nos remonta à história da AIDS e do HIV. No começo, ficou um estigma que só atrapalhou a prevenção da doença. Isso ocorre porque quando o vírus entra por um grupo inicial leva um tempo até se disseminar para outros grupos. Com o HIV começou assim. Depois se percebeu que os hemofílicos estavam com HIV, que as crianças nasciam com HIV. Não existe nenhuma evidência biológica de que o vírus da varíola dos macacos seja específico para um sexo. Aliás, não sei que vírus tem essa especificidade”, disse.
Fonte: Agência Brasil