Em meio à luz azul, Luli Braga surgiu no palco do teatro Gebes Medeiros, no centro de Manaus, na noite deste domingo (14/08), feriado de dia dos pais, para um show totalmente intimista do Circuito +Cultura, promovido pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa. A noite calma e o céu nublado pareciam fazer o par perfeito para a performance de Luli – uma profusão de arte e cultura, que há mais de dois séculos é encenada dentro do que hoje conhecemos como o entorno do Largo de São Sebastião.
Em calmaria, ela começou o show com “O tempo que leva”, uma canção de autoria própria e uma das 10 faixas do seu primeiro álbum de estúdio, Sinuose (2020). A mensagem é clara: “[…] não tenho pressa, começa quando começa e não tem fim”. É assim que Luli vê o tempo e sua relação com o público, calma e sutil – cada coisa em seu devido tempo. É a forma que encontrou para se conectar com a audiência, em um tempo quase infinito de experimentação.
Experimentação, aliás, é o que parece fazer de Braga sua força principal. Ela faz parte do que ficou conhecido como “Nova Música Popular Amazonense” – uma mistura de sons regionais, com experimentações em possibilidades ilimitadas, feitas por novos artistas radicados principalmente em Manaus. Essa força é potencializada em seus brilhantes versos de poesia, que serviram de transição entre as canções do show.
A poesia intitulada “Prelúdio da Sinuose”, encenada minutos depois, conta a própria experiência de banhar-se no Rio Negro e vislumbrar, mesmo que por alguns segundos, a imensidão dos complexos da natureza – o afundar, o flutuar e o caminhar da água. Processos que independem de outras ações e acontecem naturalmente, como a vida rotineira dos seres humanos. É nesta ode à Amazônia que Luli Braga expõe sua arte e transforma isto em uma celebração.
Essa exposição, inclusive, surge através da quebra de uma intimidade pessoal. É a apresentação de um sentimento que ficou guardado em papel e hoje ganha formato através de música. Questionada sobre esse processo de exposição, Luli diz que ainda tenta se acostumar.
“Eu ainda fico muito envergonhada de colocar essas poesias assim para fora, mas ao mesmo tempo eu me sinto muito à vontade porque eu sinto que o público recebe muito bem e se conecta, né? Eles se permitem conectar com o que está sendo dito”, declarou.
Todo esse domínio das palavras está presente nas, bem desenvolvidas, composições do álbum “Sinuose” (2020), que surgiu durante o período da pandemia de Covid-19. O disco provoca um olhar sobre o autoconhecimento e as dinâmicas dos relacionamentos, através de uma sonoridade fortemente autoral. É a carta aberta de Luli Braga sobre o amor às pessoas, à Amazônia e a si mesma.
Espanta, de certa forma, uma artista nova ser tão madura em relação à sua própria arte e ao seu modo de expressá-la. De certo, a referência vem do ambiente familiar paterno, onde Luli recebeu os primeiros estímulos musicais. Nascida em Manaus, Luisa Braga cresceu entre a metrópole e o cenário rural de Maués, onde formou sua visão de mundo e interpretação sagaz dos relacionamentos.
O final catártico do show aconteceu com a canção recém-lançada “Depois das Onze”, que tem clipe inspirado na noite manauara dos anos 2000. Uma composição próxima da cumbía colombiana, escancarando os impulsos do desejo, mas sem abandonar os afetos. Uma música, que além de tudo, reflete sobre o desejo do toque e do acolhimento humano pós-pandemia. “Olho no olho, pele na pele […] depois das onze a gente encaixa um no outro”, cantou com potência para deixar claro a importância dessa volta de conexão física entre o público e sua arte.