Em meados de 2016, inconformado com o fim de seu relacionamento, o autônomo Diego Fabrício Pacheco acabou pondo fim à vida da ex-companheira Josilene Pereira, então com apenas 23 anos de idade. Josilene deixou um casal de filhos, que passaram a ser criados por sua mãe, a doméstica Laíde Pereira de Lima, 63 anos.
O autor do feminicídio foi preso e condenado a 17 anos e quatro meses de prisão. A vida da família Pereira, porém, estava dilacerada. “Eles não conseguiam dormir e nem ir no banheiro sozinhos”, conta a avó das crianças, que tomou forças para seguir em frente, apesar da tragédia familiar.
E foi na Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), mais especificamente no Núcleo de Proteção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), que a família encontrou o apoio que precisava: assistência jurídica e psicossocial para os filhos da vítima e para a nova tutora das crianças, hoje com 10 e 11 anos de idade.
“Durante três anos, fomos ao psicólogo (por meio do encaminhamento do Nudem). Eu dormi com eles durante quatro anos. Não conseguiam dormir sozinhos. Com toda a assistência e ajuda dos psicólogos, a gente conseguiu. Hoje, graças a Deus, eles estão bem no colégio, tem boas notas, já dormem no quartinho deles. Apesar de ser uma coisa que a gente nunca mais vai esquecer, hoje eu me sinto bem, com mais força até para ajudar outras mulheres”, diz dona Laíde.
O projeto
A realidade do feminicídio atinge centenas de milhares de vítimas por ano no Brasil, um dos países com maior índice de violência doméstica no mundo. Segundo dados do Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), só em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no país. O Amazonas, naquele anos, ficou em terceiro lugar entre os estados com maior crescimento desses casos.
Contudo, se a violência contra mulheres, praticada em geral por companheiros e ex-companheiros, já é objeto de políticas públicas, tipificada por lei específica (Lei Maria da Penha) e cada vez mais discutida na sociedade, o caso dos filhos das vítimas de feminicídio ainda não tem a mesma visibilidade, o que felizmente está começando a mudar.
Premiação nacional
No último mês de dezembro, o projeto “Órfãos do Feminicídio”, do Núcleo de Proteção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem) da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), ganhou destaque nacional ao vencer a categoria “Defensoria Pública” no Prêmio Innovare, que premia e incorpora a um banco de práticas os melhores projetos de instituições do meio jurídico brasileiro.
O projeto, que atende a filhos de vítimas de violência doméstica com assistência jurídica e psicossocial, foi desenvolvido incialmente pela defensora pública Caroline Braz em 2018, coordenadora do núcleo à época. De acordo com a defensora, a princípio foram analisados 84 processos de violência doméstica no âmbito do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM). Destes, 34 vítimas faleceram, sendo que 11 delas deixaram filhos.
“Iniciei o projeto porque percebi, como defensora coordenadora do Núcleo da Mulher, que nós temos políticas para as mulheres, mas depois que essa mulher vem a falecer, era como se não houvesse nenhuma política para proteger a memória dessa mulher. Então nós começamos a fazer o acompanhamento das famílias”, relata a defensora, que realizou uma busca ativa pelas famílias a partir dos processos a que o núcleo teve acesso.
Desafio
“Essas famílias dificilmente vêm até nós. Nós é que temos que descobrir, muitas vezes por meio da imprensa, e nós que vamos atrás dessas famílias. Então, é um pouco difícil localizá-las, porque, depois que acontece essa tragédia, a criança perdeu a mãe, perdeu o pai, e ao mesmo tempo acaba que a família se desestrutura muito rapidamente. Irmãos separados, morando em casa de parentes diferentes e, às vezes, até mesmo a própria pensão recai sobre o agressor, o assassino da mãe. Então por isso que é importante a atuação da defensoria, para solucionar todos esses problemas jurídicos – a guarda das crianças, a pensão alimentícia, o processo criminal, o próprio júri do feminicídio, além do acompanhamento psicológico e social”, explica a defensora.
“Nossa grande esperança agora é que a gente consiga estabelecer um protocolo de segurança nacional, para que outros estados também cuidem dessas crianças como nós estamos fazendo aqui. E tentar, junto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), estabelecer um protocolo de obrigatoriedade para todas as delegacias para que, assim que acontecer um feminicídio, encaminhe imediatamente essas famílias para a defensoria. Esse é o meu sonho”, vislumbrou.