Um estudo de Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) desenvolveu uma nova tecnologia feita com borracha natural (látex) da Amazônia e células-tronco que poderá revolucionar o tratamento e a prevenção da incontinência urinária em mulheres que desenvolvem diabetes gestacional. Essa condição que favorece a atrofia dos músculos da região pélvica (abdômen), dificultando sua contração.
De baixo custo, fácil manuseio e produzido com matéria-prima brasileira, o biomaterial é capaz de regenerar a parte afetada sem causar dor ou demandar sessões de fisioterapia. Testes realizados com animais mostraram que o produto é eficaz e não gera efeitos tóxicos.
A tecnologia, que poderá ser introduzida durante o parto cesárea, é uma membrana que funciona como uma rede para guardar as células-tronco. Após ser inserido na paciente e entrar em contato com os músculos da região pélvica, o material passa a liberar aos poucos proteínas bioativas presentes no látex que, em conjunto com as células-tronco, auxiliam na recuperação do tecido e resgatam sua funcionalidade.
“O material oferece condições para que as células ali colocadas se proliferem sem que elas migrem para outros locais do organismo. Como a borracha custa barato, a tecnologia desenvolvida é acessível e tem um alto potencial de ser aplicada”, explica Juliana Floriano, pós-doutoranda da Faculdade de Medicina da Unesp, em Botucatu (SP), e uma das responsáveis pela inovação.
Para atender às mulheres que realizam parto normal, a cientista desenvolveu uma “segunda versão” do produto: um dispositivo vaginal que pode ser introduzido pela própria gestante sem causar desconforto. A diferença é que, em vez de possuir células-tronco, o dispositivo de látex apenas libera proteínas que atraem esse tipo de célula regenerativa para o local que precisa ser tratado. “Mulheres que não forem para a cesárea e tenham incontinência urinária podem usar esse segundo produto, que é um dispositivo que a própria paciente insere. Ela mesma coloca e remove dez dias depois”, destaca.
Sem cirurgia
As proteínas liberadas pelo material emitem um sinal, como se fosse uma inflamação, atraindo as células-tronco que saem da medula óssea, passam pelos vasos sanguíneos e chegam até os tecidos. Essas células, por sua vez, também emitem sinais que ativam as células-tronco musculares (células-satélite), que se proliferam e constroem novas fibras saudáveis que recuperam a função da musculatura.
“Não precisa de cirurgia e não dói nada. Esse dispositivo vaginal, desenvolvido em parceria com pesquisadores dos Estados Unidos, possui grande biodisponibilidade em todos os músculos e órgãos importantes para a continência urinária: uretra, bexiga e assoalho pélvico. Ou seja, além de regenerar, também poderá atuar na prevenção, já que a mulher também pode desenvolver incontinência urinária após o parto”, diz a pesquisadora.
De acordo com registros médicos, muitas pacientes podem sofrer desse tipo de problema por até dois anos após o parto.
Matéria-prima nacional
A borracha natural, também chamada de látex, é um produto extraído da seringueira, árvore natural da Amazônia. O professor Carlos Frederico de Oliveira Graeff, docente do Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Unesp, em Bauru (SP), e orientador dos estudos que resultaram nas tecnologias, esclarece que a principal função do látex na natureza é a regeneração vegetal. “Quando é feito um corte em um tronco, a função do látex é recuperar aquela árvore. No organismo humano, esse material é estável, compatível e apresenta características próprias que promovem por si só o crescimento de vasos sanguíneos, o que é fundamental para o reparo de tecidos. Nós buscamos o caminho mais natural possível para induzir o corpo humano a fazer aquilo que ele poderia fazer sozinho”, descreve.
A pesquisa foi desenvolvida a partir de seringueiras cultivadas na Fazenda Experimental da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, em Botucatu (SP), e contou com especialistas de diferentes áreas, como biólogos, engenheiros florestais, físicos, químicos, entre outros. Para criar a membrana, foi preciso elaborar um novo método de extração da borracha, com uma série de cuidados e tratamentos específicos, sem aditivos químicos.
Para que o líquido não coagulasse, como geralmente acontece quando ele é retirado da árvore, o material foi extraído em baixa temperatura e depois passou por uma centrifugação para remover possíveis impurezas coletadas durante o processo. Em seguida, uma camada fina de látex foi depositada em uma placa, formando membranas que secam por sete dias em uma estufa a 50°C. “Fizemos testes de toxicidade e biocompatibilidade. O risco do corpo rejeitar o material é muito pequeno”, ressalta o professor.
Agora, os cientistas buscam empresas parceiras, do Brasil ou do exterior, que possam colaborar com o início de testes clínicos. “São anos de estudos, porém, ainda temos um bom caminho a ser percorrido. É um processo lento, mas vamos vencer as barreiras. Queremos fazer com que esses tratamentos cheguem ao mercado”, conclui Graeff.